Editora: Globo
Páginas: 215
ISBN: 9788525042118
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Muita gente tem medo dos bombeiros, mas Clarisse McClellan não. Ela é a nova vizinha de Guy Montag, 30 anos, bombeiro há dez. Com 17 anos, Clarisse é uma garota bem diferente de todas daquelas que Guy já conheceu, além de gostar de caminhar durante a noite, apenas andando por aí, sentindo o cheiro das coisas e olhando para elas, ela o faz rir. Clarisse também sabe de muitas coisas, coisas que Guy não faz ideia, ou pelo menos nunca parou para pensar.
"- Você pensa demais - disse Montag, incomodado.
- Eu raramente assisto aos "telões", nem vou a corridas ou parque de diversão. Acho que é por isso que tenho tempo de sobra para idéias malucas. Já viu os cartazes de sessenta metros no campo, fora da cidade? Sabia que antigamente os outdoors tinham apenas seis metros de comprimento? Mas os carros começaram a passar tão depressa por eles que tiveram de espichar os anúncios para que pudessem ser lidos.
- Eu não sabia disso! riu Montag abruptamente." (p. 21)
Não só Clarisse era estranha, como sua família também. Pela noite sua casa ficava com todas as luzes acesas, coisa extremamente incomum. Sua mãe, seu tio e seu pai costumavam conversar e Clarisse explica para Montag que é algo como andar a pé, só que muito mais gostoso. Ele não entende, sobre o que eles poderiam conversar?
"- É verdade que antigamente os bombeiros apagavam incêndios em lugar de começá-los?
- Não. As casas sempre foram à prova de fogo, pode acreditar no que eu digo.
- Estranho. Uma vez me disseram que, muito tempo atrás, as casas pegavam fogo por acidente e as pessoas precisavam dos bombeiros para deter as chamas." (p. 20)
Aquele encontro com Clarisse causou grande impacto em Montag, apesar de ter durado alguns minutos parecia ter durado um longo tempo. A garota parecia uma figura imensa em um palco diante dele. Ela tinha a capacidade de captar e devolver a expressão de outra pessoa, seus pensamentos e seus receios mais íntimos. Ele era feliz? Foi o que Clarisse perguntou. Claro que era! Mas aquele seu outro eu, o idiota do subconsciente que por muitas vezes desatava a tagarelar, independente de sua vontade, hábito e consciência, rumava a novas escuridões e também, por que não, a um novo sol.
Depois daquele encontro, entrar em seu quarto era como entrar em um frio mausoléu, com janelas bem fechadas e onde nenhum som da cidade conseguia penetrar. No escuro, sabia que não era feliz. Sabia também que sua mulher, Mildred, estava estirada na cama, os olhos presos no teto e as pequenas conchas nas orelhas, rádios firmemente ajustados, onde um oceano eletrônico de sons chegava, como música e vozes, em sua mente vigilante.
Montag tropeçou em um objeto e percebeu que se tratava de um pequeno frasco com pílulas para dormir que, pela manhã, contivera trinta cápsulas e agora estava sem tampa e vazio.
"- Nenhum de vocês é médico. Por que não enviaram um médico da Emergência?
- Ora essa! - O cigarro do operador agitou-se em seus lábios. - Resolvemos uns nove ou dez casos desses por noite. De uns anos para cá, passaram a ser tantos que mandamos construir as máquinas especiais. A novidade, é claro, foi a lente; o resto é antigo. Não é preciso médico para um caso como este; bastam dois biscateiros que, em meia hora, resolvem o problema." (p. 28)
No dia seguinte, com as conchas nas orelhas, Mildred não lembra de nada da noite anterior. Montag tenta lembrá-la do acontecido mas Mildred diz que nunca faria algo tão estúpido.
Montag continuava a encontrar Clarisse quando ia ou voltava do trabalho. Ela dizia coisas estranhas, mas que o faziam rir, agora um riso de verdade, um riso relaxado.
"(...) Às vezes ando de mansinho pelo metrô só para ficar escutando. Ou fico à escuta nos bebedouros de refrigerantes, e sabe de uma coisa?
- O quê?
- As pessoas não conversam sobre nada.
- Ah, elas devem falar de alguma coisa!
- Não, de nada. O que mais falam é de marcas de carros ou roupas ou piscinas e dizem: "Que legal!". Mas todos dizem a mesma coisa e ninguém diz nada diferente de ninguém. E, nos bares, ligam as jukebox e são sempre as mesmas piadas, ou o telão musical está aceso e os desenhos coloridos ficam subindo e descendo, mas é só cor e tudo abstrato." (p. 45 e 46)
As pessoas denunciavam seus vizinhos e lá iam os bombeiros. Seu trabalho era como uma faxina, nada de gritos ou choro, a polícia chegava antes para tapar a boca da vítima com fita adesiva e ninguém era ferido, apenas coisas. Nada podia importunar a consciência de um bombeiro, ele estava limpando. Com sua mangueira, encharcava o local denunciado (local com livros, um ou dois, ou uma biblioteca) com querosene e riscava um fósforo. Fácil e rápido.
Mas em uma dessas chamadas Montag acaba surrupiando um livro...
Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, não é só um livro que traz ao leitor uma reflexão acerca da censura, já que aqui temos uma distopia onde em um futuro não identificado todos os livros foram proibidos e são queimados pelos bombeiros que, como Montag e a maioria da população acreditam que sempre causaram incêndios e nunca os apagaram.
Não existe História, os livros não existem, os poucos que restam são queimados. As pessoas também não conversam, ou estão conectadas às suas conchas (uma espécie de smartphone) ou estão interagindo com seus telões, espécie de TV do tamanho de uma parede que cerca todo o ambiente e onde os personagens interagem com o indivíduo. Em determinada parte do livro, Mildred desespera-se com a possibilidade de perder sua "família", é assim que ela chama aqueles personagens que invadem a sua sala.
Quando estão entediadas ou frustradas, mas sem entender esse sentimento de frustração, já que essa sociedade é completamente apática, anêmica, pegam seus carros e dirigem em alta velocidade, atropelando animais e extravasando a falta de algo que não (re)conhecem.
A imaginação foi erradicada, assim como a reflexão, os sonhos, a paixão etc.
Montag, apesar de ter vivido nesse mundo e ser um bombeiro, possui um afã, algo que está adormecido dentro dele mas que é despertado com a chegada de Clarisse. Será instinto? Uma sensação de não pertencimento? No entanto, não é fácil apagar o que foi aprendido, deixar de lado velhas crenças, ter coragem para ir além do território já conhecido e predeterminado.
Outra coisa: queimar um livro não significa apenas colocar querosene nele e acender um fósforo. Ao observar o personagem Beatty, capitão dos bombeiros, podemos perceber que um livro pode ser "queimado", "assassinado", quando a leitura é meramente funcional.
O livro foi lançado em 1953 e ganhou uma adaptação cinematográfica em 1966 com direção de François Truffaut. Não assisti ao filme, mas no final do livro o autor diz que houveram várias mudanças.
A capa
Essa é uma das melhores capas que já vi. Quem projetou essa capa foi a designer Elizabeth Perez. Fahrenheit 451 é a temperatura que o papel pega fogo, nessa capa, o número 1 é um palito de fósforo que pode ser riscado na lateral da capa.
A música
Estava procurando outros títulos do autor quando me deparei com o vídeo Fuck Me, Ray Bradbury. Ri muito! Apesar de muita gente achar que é uma ofensa ao autor, eu achei bem bacana. O vídeo é da cantora e comediante Rachel Bloom e lá ela faz uma performance com uma música pra lá de sexualmente explícita sobre seu desejo por Ray Bradbury. O vídeo é de 2010 e várias obras do autor são citadas nele.
Mark Edward (você pode ler o artigo completo aqui) visitou o autor alguns dias antes de Ray fazer 90 anos (ele nasceu em 1920 e morreu em 2012) e mostrou o vídeo para ele. Sabe qual foi sua reação?
"Nós falamos com o Ray por alguns minutos. Ele está incrivelmente frágil e sua saúde não está muito boa, com problemas de visão e audição, o que torna um desafio conversar com ele. Mas ele ainda é tão afiado quanto uma navalha. Quando ele fala, é sempre algo profundo. Ele não mede as palavras e quando você está perto dele, é melhor prestar atenção. Colocamos para rodar o vídeo que tínhamos baixado na internet em um laptop. Considerando o título e o conteúdo desse vídeo, foram alguns minutos tensos. Ainda assim, logo vimos um brilho em seus olhos e ouvimos alguns risos suaves. E pudemos ver que ele ficou encantado com a coisa toda. E quem não ficaria? Quantos autores de sua envergadura consegue ver jovens mulheres brincando em uma escola só para garotas e cantando aquela música?"
Ok, como o vídeo não é muito apropriado para o blog (não tem nada de "oh, nossa!", é mais a letra), vou deixar o link aqui para quem quiser assistir. Não deixem de conferir a letra também. (:
No dia seguinte, com as conchas nas orelhas, Mildred não lembra de nada da noite anterior. Montag tenta lembrá-la do acontecido mas Mildred diz que nunca faria algo tão estúpido.
Montag continuava a encontrar Clarisse quando ia ou voltava do trabalho. Ela dizia coisas estranhas, mas que o faziam rir, agora um riso de verdade, um riso relaxado.
"(...) Às vezes ando de mansinho pelo metrô só para ficar escutando. Ou fico à escuta nos bebedouros de refrigerantes, e sabe de uma coisa?
- O quê?
- As pessoas não conversam sobre nada.
- Ah, elas devem falar de alguma coisa!
- Não, de nada. O que mais falam é de marcas de carros ou roupas ou piscinas e dizem: "Que legal!". Mas todos dizem a mesma coisa e ninguém diz nada diferente de ninguém. E, nos bares, ligam as jukebox e são sempre as mesmas piadas, ou o telão musical está aceso e os desenhos coloridos ficam subindo e descendo, mas é só cor e tudo abstrato." (p. 45 e 46)
As pessoas denunciavam seus vizinhos e lá iam os bombeiros. Seu trabalho era como uma faxina, nada de gritos ou choro, a polícia chegava antes para tapar a boca da vítima com fita adesiva e ninguém era ferido, apenas coisas. Nada podia importunar a consciência de um bombeiro, ele estava limpando. Com sua mangueira, encharcava o local denunciado (local com livros, um ou dois, ou uma biblioteca) com querosene e riscava um fósforo. Fácil e rápido.
Mas em uma dessas chamadas Montag acaba surrupiando um livro...
Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, não é só um livro que traz ao leitor uma reflexão acerca da censura, já que aqui temos uma distopia onde em um futuro não identificado todos os livros foram proibidos e são queimados pelos bombeiros que, como Montag e a maioria da população acreditam que sempre causaram incêndios e nunca os apagaram.
Não existe História, os livros não existem, os poucos que restam são queimados. As pessoas também não conversam, ou estão conectadas às suas conchas (uma espécie de smartphone) ou estão interagindo com seus telões, espécie de TV do tamanho de uma parede que cerca todo o ambiente e onde os personagens interagem com o indivíduo. Em determinada parte do livro, Mildred desespera-se com a possibilidade de perder sua "família", é assim que ela chama aqueles personagens que invadem a sua sala.
Quando estão entediadas ou frustradas, mas sem entender esse sentimento de frustração, já que essa sociedade é completamente apática, anêmica, pegam seus carros e dirigem em alta velocidade, atropelando animais e extravasando a falta de algo que não (re)conhecem.
A imaginação foi erradicada, assim como a reflexão, os sonhos, a paixão etc.
Montag, apesar de ter vivido nesse mundo e ser um bombeiro, possui um afã, algo que está adormecido dentro dele mas que é despertado com a chegada de Clarisse. Será instinto? Uma sensação de não pertencimento? No entanto, não é fácil apagar o que foi aprendido, deixar de lado velhas crenças, ter coragem para ir além do território já conhecido e predeterminado.
Outra coisa: queimar um livro não significa apenas colocar querosene nele e acender um fósforo. Ao observar o personagem Beatty, capitão dos bombeiros, podemos perceber que um livro pode ser "queimado", "assassinado", quando a leitura é meramente funcional.
O livro foi lançado em 1953 e ganhou uma adaptação cinematográfica em 1966 com direção de François Truffaut. Não assisti ao filme, mas no final do livro o autor diz que houveram várias mudanças.
A capa
Essa é uma das melhores capas que já vi. Quem projetou essa capa foi a designer Elizabeth Perez. Fahrenheit 451 é a temperatura que o papel pega fogo, nessa capa, o número 1 é um palito de fósforo que pode ser riscado na lateral da capa.
A música
Estava procurando outros títulos do autor quando me deparei com o vídeo Fuck Me, Ray Bradbury. Ri muito! Apesar de muita gente achar que é uma ofensa ao autor, eu achei bem bacana. O vídeo é da cantora e comediante Rachel Bloom e lá ela faz uma performance com uma música pra lá de sexualmente explícita sobre seu desejo por Ray Bradbury. O vídeo é de 2010 e várias obras do autor são citadas nele.
Mark Edward (você pode ler o artigo completo aqui) visitou o autor alguns dias antes de Ray fazer 90 anos (ele nasceu em 1920 e morreu em 2012) e mostrou o vídeo para ele. Sabe qual foi sua reação?
"Nós falamos com o Ray por alguns minutos. Ele está incrivelmente frágil e sua saúde não está muito boa, com problemas de visão e audição, o que torna um desafio conversar com ele. Mas ele ainda é tão afiado quanto uma navalha. Quando ele fala, é sempre algo profundo. Ele não mede as palavras e quando você está perto dele, é melhor prestar atenção. Colocamos para rodar o vídeo que tínhamos baixado na internet em um laptop. Considerando o título e o conteúdo desse vídeo, foram alguns minutos tensos. Ainda assim, logo vimos um brilho em seus olhos e ouvimos alguns risos suaves. E pudemos ver que ele ficou encantado com a coisa toda. E quem não ficaria? Quantos autores de sua envergadura consegue ver jovens mulheres brincando em uma escola só para garotas e cantando aquela música?"
Ok, como o vídeo não é muito apropriado para o blog (não tem nada de "oh, nossa!", é mais a letra), vou deixar o link aqui para quem quiser assistir. Não deixem de conferir a letra também. (:
Gente, essa capa é fantástica né? Que linda!
ResponderExcluirNão sabia desse livro e gostei do enredo... acho que deve ser uma leitura bem prazerosa.
Fiquei curiosa em assistir o vídeo que você comenta no final, acho que verei KKK
Já li/ouvi várias coisas sobre esse livro e a cada coisa que ouço/leio quero mais ainda lê-lo.
ResponderExcluirNossa, essa capa arrasou, ein *clap clap clap*