Panorama do Inferno


Venha com Hideshi Hino conhecer o Inferno que nem mesmo Dante poderia descrever. Uma paisagem pós-nuclear, que se confunde com a nossa própria realidade - desenhada por um pintor insano com o seu próprio sangue. Esse pintor, de quem nunca saberemos o nome, nos apresenta um mundo corrompido, onde a vida humana não vale nada e o estado promove sessões de decapitação públicas, enquanto fogos de artifício ardem no céu. 

O pintor nos apresenta sua atormentada família: uma filha também desenhista, que se diverte retratando animais mortos; um filho que prefere matar os animais e lamber seus olhos apodrecidos; e a esposa que trabalha num bar para zumbis. Voltando no tempo, apresenta seu pai e seu avô, pelas enormes tatuagens que carregavam nas costas. 

Panorama do Inferno é uma obra perturbadora e autobiográfica. Hino também nasceu na China e teve os pais expulsos do país ao fim da guerra. Seu avô foi um yakuza que dirigia uma casa de jogos, e seu pai realmente tinha as costas cobertas por tatuagens. Escrito em meio a noites em claro e bebedeira pesada, Panorama do Inferno é um mergulho profundo de Hino em seu próprio ser, procurando seus instintos mais sórdidos. Concebido para ser a obra derradeira de um artista desiludido, Panorama... acabou sendo o momento de maior brilho do maior mangaká de terror - que, após o sucesso do livro, continuou como desenhista do gênero.

Nossa, ótima leitura e desenhos de arrepiar. Loucura, sadismo, mutilações, em uma obra que é para chocar, no estilo splatter-gore. Panorama do Inferno é para quem gosta desse tipo de leitura. E quem gosta, vai se deliciar, amar. 

O gore e o splatter que estão nos quadrinhos desde os anos 1960, são gêneros que surgiram no cinema, e o próprio Hino já dirigiu uma produção splatter-gore. O autor comandou um dos capítulos da série Guinea Pig (1885 - 1991), que trazia episódios em que uma pessoa era sequestrada e mutilada, argh, passo-a-passo, de maneira bem explícita. Reza a lenda que o ator Charlie Sheen acionou o FBI para investigar o pessoal da filmagem, acusada de fazer snuff movies (filmes reais com gente sendo torturada). O pessoal do Guinea Pig foi "absolvido", mas o gênero já estava bem adiantando, com vários fãs espalhados pelo mundo. 

Para quem não quer nada tão pesado como um filme, e quer conhecer o gênero, basta dar uma visitada em Panorama...


O Arco


No filme O Arco, de Ki-duk Kim, não há uma frase sequer entre as personagens principais (um velho que aluga o seu barco para pescadores e uma menina criada por ele). O que vale aqui é a imagem. 

A "batalha" travada pelos dois acontece através dos olhares e dos gestos, enquanto as falas ficam por conta dos pescadores que visitam o barco. 

A garota foi encontrada pelo velho aos 6 anos, e seu protetor ficou responsável por sua educação, preparando-a para a vida adulta e, consequentemente, para o dia do casamento dos dois. A harmonia prevalece, mesmo quando alguns pescadores visitantes tornam-se "abusados", o que faz com que o velho pegue o seu arco e atire flechas neles, o que a menina também faz, quando o velho é agredido. O mundo moderno, assim, parece assustador e agressivo. No entanto, isso muda quando um jovem visita o barco e estabelece um relacionamento amistoso com a garota, abalando a harmonia que existia entre ela e o velho. 

A garota fica dividida entre o mundo moderno e sua liberdade e a segurança que existe em seu relacionamento com o velho. Para ela, não existe outro mundo além daquele, além do barco. 

SPOILER ALERT 

Quando o garoto volta para resgatar a garota, ela fica na dúvida, mas resolve ir embora com o jovem. No entanto, ao ver o sofrimento do velho, resolve dar a ele um último momento em sua presença. Eles se casam, vão passear em um barquinho, e o velho começa a tocar enquanto a garota dorme. Ele aponta o arco e a flecha para ela e, depois, para o alto, atira e depois se joga no mar. O barquinho volta para o barco onde está o jovem e a garota passa a gemer e se "contorcer", como se estivesse tendo um relação sexual. No clímax, a flecha cai no meio de suas pernas, sem machucá-la, no entanto, ela começa a sangrar, o que demonstra que ela perdeu a virgindade. Uma metáfora, mas, por favor, não era o espírito do velho fazendo aquilo (como eu li em alguns lugares). 

É um filme bonito, tocante, que mexe com a gente, que envolve, é lindo!

3x4


Esse aqui é o meu designer favorito. Não é só porque nos formamos juntos, mas porque somos irmãos, rs, e porque ele é muito talentoso! Por isso estou postando alguns de seus trabalhos aqui. Vocês podem conferir outros no flickr dele, ah, duh, o nome dele é Pablo. (:



Feios


Tally Youngblood é feia. Não, isso não significa que ela seja alguma aberração da natureza. Não. Ela simplesmente ainda não completou 16 anos. Em Vila Feia, os adolescentes ficam presos em alojamentos até o aniversário de 16 anos, quando recebem um grande presente do governo: uma operação plástica como nunca vista antes na história da humanidade. Suas feições são corrigidas à perfeição; a pele é trocada por outra, sem imperfeições ou - nem pense nisso - espinhas; seus ossos são substituídos por uma liga artificial, mais leve e resistente; os olhos se tornam grandes; e os lábios, cheios e volumosos. Em suma, aos 16 anos todos ficam perfeitos.

Tally mal pode esperar pelo seu aniversário. Depois da operação, vai finalmente deixar Vila Feia e se mudar para Nova Perfeição, onde os perfeitos vivem, bebem, pulam de paraquedas, voam a bordo de suas pranchas magnéticas e se divertem (o tempo todo). Mas, enquanto espera que as poucas semanas até completar 16 anos passem, Tally precisa se distrair. 

Uma noite, ela conhece Shay, uma feia que não está nem um pouco ansiosa para completar 16 anos. Pelo contrário: Shay pretende fugir dos limites da cidade e se juntar à Fumaça, um grupo de fora da lei que sobrevive retirando seu sustento da natureza. 

Para Tally, isso é uma maluquice. Quem iria querer ficar feio para sempre ou se arriscaria a voltar para a natureza e queimar árvores para se aquecer, em vez de viver com conforto em Nova Perfeição e se divertir à beça? Mas, quando sua amiga desaparece, os Especiais, autoridade máxima desse novo mundo, propõem um acordo a Tally: se unir a eles contra os enfumaçados ou ficar feia para sempre. A escolha de Tally irá mudar o mundo ao seu redor, mas, principalmente, ela mesma.

Eu confesso que não fiquei muito empolgada com a sinopse do livro, achei até bem boba, mas como li muitos comentários positivos com relação a ele, resolvi solicitar no Skoob, e chegou aquele livro grosso, de 416 páginas, que ficou um tempo na estante até eu ter coragem para ler. E não é que quando comecei não consegui mais largar? O livro é viciante, a história é super bem elaborada e você não tem vontade de largar o livro! Desse jeito, as 416 não parecem nada e você quer mais.  E eu confesso uma coisa, um pouco depois da metade do livro, não aguentei e li a última linha da última frase (não lembro a última vez que fiz isso!). O livro é muito bom e vale super a pena. 

Feios é o primeiro livro da série Uglies, escrita por Scott Westerfeld, e foi lançado nos Estados Unidos em  2005 (aqui no Brasil, em 2010), o segundo livro, Perfeitos, foi lançado também em 2005 nos EUA e em 2010 no Brasil, o terceiro livro da série, Especiais, foi lançado em 2006 nos EUA e em 2011 no Brasil e, finalmente, Extras, lançado nos EUA em 2007 e com lançamento previsto para novembro de 2011 aqui no Brasil. 

E uma novidade bem bacaca: o autor contou que a história de Tally será adaptada para os quadrinhos, no estilo mangá! A série contará com 4 volumes e serão narradas pelo ponto de vista de Shay. O primeiro volume tem previsão de ser lançado em maio de 2012 no exterior.

Resultado do Sorteio - Guia de drinques dos grandes escritores americanos


E quem ganhou o livro foi a Débora Cristina. Parabéns. ^^ 

Estou enviando um e-mail agora pedindo os seus dados.  

Coisas Frágeis Vol. 1


Em um livro perturbador, divertido e comovente, Neil Gaiman explora diversos gêneros narrativos e revela seu domínio da arte de narrar uma história a cada página. Coisas Frágeis é uma preciosidade literária de um dos escritores mais criativos dos nossos tempos. 

Já havia lido o trabalho de Gaiman em alguns quadrinhos, e gostei bastante de seus contos neste livro, que é envolvente, inteligente, com histórias fantásticas, sinistras e mescladas a humor-negro. Os contos são geniais e meus favoritos são: A Vez de Outubro (onde os meses se sentam ao redor de uma fogueira contanto histórias); O Problema de Susan (para os fãs de C.S. Lewis e suas Crônicas de Nárnia (apesar de nunca ter lido, fiquei muito interessada), conta uma espécie de continuação da história, mostrando o que acontece a Susan anos depois de suas aventuras); Como Conversar com Garotas em Festas (onde dois garotos narram sua aventura em 1977 em uma festa onde os convidados não são humanos, mas planetas e universos); Golias (conto criado para o site do primeiro filme da série Matrix, mostrando a visão do autor sobre esse universo (já que Gaiman havia apenas lido o roteiro) e; O Monarca do Vale (para os fãs de Deuses Americanos, onde Gaiman retoma a história de Shadow). 

Um livro imperdível! E já estou louca para ler o volume 2. 

O gato por dentro


O gato por dentro é uma viagem sentimental e particularíssima pelo ancestral convívio entre gatos e humanos – e pela relação de alguns gatos com um ser humano específico: William S. Burroughs (1914-1997), célebre escritor beat, autor de Almoço nu e Junky, e inveterado amante de felinos. Escrito na maturidade do autor (entre 1984 e 1986), O gato por dentro traz inventivas e espirituosas reminiscências e reflexões. Burroughs relembra os gatos que passaram pela sua vida, tudo o que fizeram por ele e por sua saúde mental, e parece concluir que, afora as particularidades físicas, pouca diferença há entre humanos e felinos. Um livro-revelação tanto para fãs de Burroughs quanto de gatos.

Gostei bastante do livro, especialmente porque sempre esperei algo diferente de Burroughs, no entanto, parece que realmente este livro é diferente dos demais. É um livro-diário, um tanto desconexo e quem não está acostumado com Burroughs (assim como eu, afinal foi o primeiro livro dele que li), pode ficar um pouco perdido. E eu fiquei, pois havia lido muito sobre sua vida enquanto lia sobre os beats, e não o imaginava um cara apaixonado por gatos! Mas é um livro gostoso de se ler, especialmente para os fãs dos felinos e, especialmente para aqueles que, como eu, só podem ler sobre gatos, já que são alérgicos. ¬¬ 

O autor


Considerado um dos maiores escritores da geração beat, William S. Burroughs nasceu em St. Louis,  Missouri, Estados Unidos, em 1914. Estudou em uma escola para garotos no México e graduou-se em Harvard em 1936. 

Durante um período, foi morar na Alemanha, onde pretendia estudar Medicina. Conheceu Ilse Herzfeld Klaper, uma judia alemã, com a qual acabou se casando. Foram  morar nos Estados Unidos e tornaram-se muito amigos, mas nunca viveram como marido e mulher, afinal se casaram para que Ilse pudesse sair da Alemanha. Separaram-se oficialmente na década de 1940, quando Burroughs casou com Joan Vollmer. 

Burroughs era homossexual e preocupava-se em escrever sobre todo o tipo de vício que leva a um tipo de modelo de controle. Seu estilo de vida era bastante incomum, era viciado em morfina. 

Conheceu Jack Kerouac, o primeiro que incentivou Burroughs a escrever. No ano de 1951, Joan foi morta por acidente por Burroughs enquanto eles estavam "brincando", tentando reproduzir a cena de Guilherme Tell, em que ele deve acertar uma flecha na maçã sobre a cabeça de seu filho, só que no lugar da maçã, colocaram um copo na cabeça de Joan, e Burroughs segurava um revólver (ambos estavam bêbados). 

Em 1956 Burroughs escrevia relatos sobre todas as suas experiências com drogas (opiáceas, estimulantes, alucinógenos, álcool etc.), o que acabou se tornando o início de seu livro de maior sucesso, Naked Lunch, publicado no ano de 1959. O livro chegou a ser proibido nos Estados Unidos por ser considerado obsceno. 

Burroughs morreu em 1997, aos 83 anos, de um ataque cardíaco.

Fabulário geral do delírio cotidiano


Este livro é o segundo volume da obra Ereções, ejaculações e exibicionismos, do genial Charles Bukowski (1920-1994). Depois de Crônica de um amor louco, o velho Buk descreve nestes mais de trinta contos fortemente autobiográficos, suas desventuras, traumas, amores fracassados e prisões inesperadas. Eis toda a excitação frenética do escritor nascido na Alemanha e emigrado para os Estados Unidos que imortalizou o mundo marginal de Los Angeles, sua cidade de adoção. O olhar estrangeiro-nativo de Bukowski esmiúça o lado negro do sonho americano - e revela o anti-sonho -, um mundo de marginais, viciados, bêbados e prostitutas, dos quais só não se pode dizer que não estão na sarjeta porque sempre decaem um pouco mais. São pessoas tal qual na vida real, retratadas de forma triste, divertida, escatológica e universal, em toda sua vulgaridade e realidade. Eis todo o gênio narrativo de Charles Bukowski, que, como John Fante, representa o último grito da geração beat e cujo humor cáustico foi comparado ao de Henry Miller, Louis-Ferdinand Céline e Ernest Hemingway. 

O que eu posso dizer? Simplesmente me apaixonei pelo livro, pela narrativa, pelas histórias, pelos loucos, enérgicos, lunáticos, ranzinzas, egoístas, egocêntricos etc., personagens e, é claro, pelo próprio Bukowski, que está nessa sua narrativa autobiográfica, contando sobre suas estadias na cadeia, sobre suas mulheres, sobre as corridas nos hipódromos, sobre as hemorroidas que tanto o incomodam, sobre os tantos e tantos porres, as leituras em que aparece bêbado, as cervejas matinais, e tantas outras coisas que me fizeram sim, simplesmente sentir um tapa na cara cada vez que virava uma página, mas também uma proximidade, alguém que fala do mundo sem "papas na língua", que é rabugento e que não se importa em deixar isso bem claro. 

A Filha do Coveiro


A Filha do Coveiro é o 36º romance da autora americana Joyce Carol Oates, indicada 3 vezes ao Prêmio Pulitzer. O livro é uma saga familiar épica baseada (e isso eu não sabia!) na vida da avó da escritora, que narra a jornada de uma mulher em busca de redenção. 

Rebecca é a jovem protagonista que cresceu em meio a discriminação e a violência em uma cidade do interior dos Estados Unidos. É filha de Anna e Jacob Schwart, que fugiram da Alemanha em 1936 com seus dois filhos mais velhos para escapar da perseguição nazista. 

A condição de refugiados na América não é melhor do que na Europa. Jacob, um ex-professor de matemática, acaba tendo que aceitar um emprego de coveiro no cemitério local, e o exíguo salário mal dá para sustentar a família, que mora no próprio cemitério, na casa do antigo coveiro, em condições bem precárias. Em meio a privações e ao preconceito, Jacob mergulha cada vez mais fundo na loucura, arrastando a família consigo. Um desastre encerra esse episódio. 

Rebecca consegue se livrar da tragédia, muda-se de cidade e tenta recomeçar a vida, no entanto, o passado sempre a perturba, e a nova vida não é tão boa quanto imaginava, fazendo com que tenha que fugir novamente. Resta-lhe garantir ao filho o que ela não teve. 

Muitas pessoas acharam o livro "enfadonho", pois muitas passagens são longas, além disso o livro é repleto de momentos intensos e dramáticos, que podem não agradar a todos. Eu realmente gostei do livro. Sim, algumas passagens parecem longas demais, as vezes a autora parece se perder, mas a história tem um encanto único e é impossível não se apaixonar por toda essa estrutura e emaranhado de acontecimentos e reviravoltas que ela nos mostra. É o tipo de livro que  guardamos na memória, e as cenas que montamos na mente sempre retornam uma vez ou outra. 

O amor é um cão dos diabos


O livro é uma coletânea que reúne poemas de 1974 a 1977, onde Bukowski reflete uma série de experiências próprias, lugares e pessoas, especialmente mulheres. O autor orgulhava-se de ter escrito seu primeiro poema aos 35 anos e foi considerado por Jean-Paul Sartre 'o melhor poeta da América'. A temática da sua escrita é urbana, com uma linguagem direta, nua e crua, mostrando todos os aspectos decadentes da sociedade americana. 

Como a prosa, cada poema de Charles Bukowski corta como aço de navalha. Ele expõe as vísceras da realidade, revolve o cotidiano, e, de onde nem se pensa que sairá um poema, brotam versos de pura genialidade. Algo como um saxofone gemendo na noite fria. As ruas molhadas refletindo o brilho feérico do neon. Fantasmas da madrugada buscam um gole da bebida mais forte que encontrarem. Bares fechando; a luz amarelada, o odor acre de suor misturado com álcool e muito tabaco. Poucos souberam, como Charles Bukowski, arrancar versos de quartos sórdidos de hotel, becos imundos, mulheres de todas as formas, bocas vermelhas demais, madrugadas longas, solitárias. É o bepop dos marginalizados, dos perdedores, pensadores de sarjeta, filósofos encharcados de uísque vagabundo.

O autor


Charles Bukowski (apelido: Buk; pseudônimo: Henry Chinaski), nasceu no dia 16 de agosto de 1920, em Andernach, na Alemanha. Sua mãe era alemã e seu pai um soldado americano. Aos 3 anos, a família se mudou para os Estados Unidos, primeiro Baltimore, depois Los Angeles, onde Bukowski viveu por 50 anos. 

Na adolescência descobriu o álcool e os livros. Chegou a estudar Jornalismo, mas não se formou. Seu primeiro conto foi publicado em 1944, quando completou 24 anos. Foi influenciado pelo pessimismo de Dostoiévski e pelas frases curtas e jeito simples de escrever de Ernest Hemingway.

Costumava fazer suas leituras bêbado, de forma bem sarcástica e debochada, criando tumultos nos locais onde se apresentou. A fama veio na década de 1980, período em que conviveu com artistas e teve filmes inspirados em suas obras.

Morreu no dia 9 de março de 1994, aos 73 anos, vítima de uma leucemia. Em seu túmulo existem duas palavras escritas: "don't try" ("nem tente"). 

Para saber mais, assista ao documentário Born Into This. Vale a pena.

Peça em um ato e meio

Essa peça foi um amigo meu, David Melo, que escreveu, que por sinal é muito talentoso (confesso que sou sua fã (número 1!)). Pedi para ele que pudesse postar a peça aqui no Blog e ele deixou (muito obrigada, David!). Então, lá vai!

Beber, Jogar, Transar
Título Original: Who Sucked My Cheese?

A ação se dá no interior de um banco. Há dez pessoas: seis são figurantes e as outras são de verdade. Os quatro protagonistas distribuem-se em dois pares. O primeiro é composto por um adolescente franzino de óculos fundo de garrafa (Derrick) acompanhando uma linda garota de idade similar (Lilian). O outro par é formado por dois outros adolescentes, um deles é grande e tem porte atlético (Zeck), o outro lembra ligeiramente um canalha (Henry). Cada par está em uma das filas do banco. Som de conversa alheia.

Zeck: Não sei, acho que não vale à pena. 

Henry: Claro que vale, é mais uma história para contarmos aos nossos filhos. 

Zeck: Filhos? Não tenho nenhum filho!

Henry: Mas vai ter, do jeito que anda estourando camisinhas...

Zeck: Putz, velho, eu não estouro nada, são elas que estouram sozinhas!

Henry: Sei, imagino a cara que as garotas fazem quando escutam aquele som de 'ploc' nas partes íntimas.

Zeck: A Dani achou que o útero dela tinha sido perfurado.

Henry: Deve ser como desossar uma galinha.

Zeck: Que é isso, não é tão violento. Além do mais, elas gostam. 

Henry: Sabe se lá o porquê... Mas estamos divagando, temos logo de firmar o compromisso. E aí, você está dentro ou fora?

Zeck: Desse negócio de detonar o zodíaco? Isso soa tão gay...

Henry: O que é que tem de gay transar com 12 mulheres, uma de cada signo, seguindo a seqüência do zodíaco? Cara, nem o Seya conseguiria esta façanha!

Zeck: Imagine a quantidade de garotas que deixaremos para trás!

Henry: Que nada, a vez de cada uma delas vai chegar. Tá vendo aquela garota ali?

Henry aponta para Lilian com indiscrição.

Zeck: Sim.

Henry: Ela é de Áries e gostosinha pra carai...

Zeck: Mas está com o namorado dela.

Henry: Namorado? Você está errado, está com o otário dela. Se dependesse dele, ela poderia ter relações sexuais com a torcida do flamengo inteira. 

Zeck: Ela não tem cara de que gostaria disto. 

Henry: Mais um engano, essas menininhas com cara de santa são as mais fogosas, certa vez...

Corta para Derrick e Lilian.

Lilian: A fila está demorando mais do que deveria. 

Derrick: É. 

Lilian: Logo hoje que tenho que passar no cabeleireiro. Não terei tempo nem para o exercício de Química.

Derrick: Eu posso fazer por você. 

Lilian: Ah, Derrick, você é um doce. Sempre que preciso, você está por perto para me salvar. 

Derrick sussurra baixinho a próxima fala.

Derrick: Espero que você retribua com favores sexuais.

Lilian: O que foi que disse?

Derrick: Esta porcaria de fila está demorando demais. 

Lilian: É, e este calor terrível! Adoraria tomar uma ducha.

Sussurrando novamente.

Derrick: Enquanto faço uma sacanagem bem picante. 

Lilian: O que? Não escutei.

Derrick: Que sugestão mais refrescante. 

Lilian: Bem, finalmente chegou a nossa vez. 

Lilian encaminha-se para o caixa do banco, mas antes que qualquer transação seja realizada, um homem mascarado irrompe porta adentro. Ele segura uma pistola e aponta para várias pessoas da agência. 

Ladrão: TODOS DEITADOS COM AS MÃOS NA CABEÇA! QUEM MOVER UM DEDO LEVA CHUMBO!

Todos obedecem, até os funcionários do banco. 

Ladrão: NÃO, VOCÊS NÃO! LEVANTEM-SE, IDIOTAS!

Derrick e os funcionários erguem-se, o ladrão fita-o com fúria.

Ladrão: O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO PORRA?

Derrick: Desculpe-me, quando você falou 'idiota' tive um ato reflexo...

Ladrão: E você é idiota por acaso?

Derrick: Muita gente me chama assim. 

O ladrão ergue a arma e dá um tiro em Derrick. A bala acerta-o no ombro. O rapaz cai e Lilian o segura. 

Derrick: Droga, eu não queria morrer virgem. 

Todos o fitam com olhares mistos de desespero e surpresa. 

Derrick: Não que eu seja, é claro.

Ladrão: Agora vou te finalizar, idiota, e estou pensando em levar sua namoradinha junto!

Henry: Ela não é namorada dele. 

Zeck: Você é louco? Tá respondendo a um bandido. 

Henry: Tô nem aí, ele quer levar a primeira da MINHA fila!

Ladrão: Como?

Henry: Eu estou planejando traçar esta ninfeta nos próximos dias.

Derrick olha entristecido para Lilian, ela ainda o segura.

Derrick: Isto é verdade?

Lilian: É claro que não, estou me guardando para o casamento!

Todos caem na gargalhada, menos o ladrão e Lilian.

Lilian: Qual é a graça?

Ladrão: Eu também não vejo! Estou tentando assaltar essa joça e não consigo porque tem um bocado de idiotas tagarelando. Agora, a primeira pessoa que soltar um pio morre. CAIXAS, por favor, coloquem o dinheiro nestes sacos...

O ladrão se aproxima para entregar o saco, mas escuta alguém falando. 

Derrick: Lilian, eu sempre quis tran...

Ladrão: EU FALEI PARA NINGUÉM FALAR!

Derrick: Mas assim você já está falando. 

O ladrão dá um segundo tiro em Derrick, este o acerta no outro ombro. 

Zeck: Meu Deus, ele atirou no cara de novo.

Henry: Isto deixa as coisas bem mais fáceis para mim.

O ladrão dá alguns tiros para o alto até descarregar o cartucho inteiro. Depois retira o cartucho usado, pega um novo e recarrega a arma. Silêncio. 

Ladrão: Obrigado. Agora, caixas, por favor...

Os caixas pegam os sacos, mas são interrompidos por um sujeito que entra no banco segurando uma submetralhadora. Som de sirene e carros se aproximando.

Ladrão: QUE PORRA VOCÊ ESTÁ FAZENDO?

Gangster: Estou fugindo da polícia. 

Ladrão: NÃO PODE FAZER ISSO ENQUANTO EU ESTIVER ASSALTANDO ESTE BANCO!

O gangster dispara contra o ladrão que cai ensangüentado e morto.

Gangster: Problema resolvido... Agora, vocês são meus reféns. 

Henry: Não vai dar, nós já somos reféns dele.

Gangster: Ele está morto.

Henry: Tem certeza? 

O gangster dispara contra o corpo inanimado. Sangue e tecido humano espirram pelo palco.

Gangster: Agora tenho.

Lilian: O que você quer?

Gangster: Nada de mais, só preciso de alguns reféns para escapar. 

Som de alto-falante na parte posterior do palco.

Auto-falante: VOCÊ ESTÁ CERCADO, SE ENTREGUE!

O gangster se aproxima da porta automática, que se abre. 

Gangster: Tenho reféns, se tentarem qualquer gracinha, acabo com eles!

Auto-falante: NÃO ESCUTAMOS, REPITA O QUE DISSE.

Gangster: Tenho umas pessoas que posso matar se o caldo engrossar!

Auto-falante: FALE MAIS ALTO.

Gangster: Eu tirei as amídalas, não dá para falar mais alto!

Henry: Nós dois poderíamos ir até lá negociar por você.

Lilian: Eu também. 

Gangster: Não, só vai um. 

Henry: Então vou eu.

Lilian: Não, eu vou. Aproveito e digo o quanto você é perigoso! É só levar o meu colega aqui que levou dois tiros. 

Derrick: Ela dirá que somos casados, os tiras sempre se sensibilizam com isto.

Henry: Calma aí! Já saquei qual é a tua! Você quer afanar a ninfeta!

Derrick: É isso mesmo! 

Lilian fica ruborizada.

Derrick: Mas eu falo a verdade, Lilian. Só depois de levar dois tiros tenho a coragem de lhe dizer o quanto gostaria de dormir com você. Ou pensava que eu queria passar o resto da minha juventude fazendo suas lições de casa gratuitamente?

Gangster: Gosto quando as pessoas são sinceras com as outras e consigo mesmas. Os dois podem ir. 

Henry: Eu não acredito nisso!

Gangster: Espero que os dois pombinhos façam uma bela encenação.

Lilian: Pode deixar.

Henry: É claro que pode, imagine a quantidade de orgasmos que ela já fingiu. 

Lilian: Vá se ferrar, seu verme. 

Gangster: Calma aí, não quero ter que atirar em mais ninguém. 

Derrick: Ele tem que aceitar, Sr. Gangster, que dessa vez EU faturei a garota.

Henry: Você não recebe fatura nem de cartão de crédito! 

Zeck: Calma, Henry, tem outras mulheres de Áries por aí!

Henry: O problema é este otário me passar para trás. Se eu fosse baleado, ela também estaria cuidando de mim. 

Gangster: Você quer ser baleado? Tem certeza disto?

Henry: Só um pouco. 

Lilian: Não seja idiota! Não vou sentir pena de você porque tomou alguns tiros. 

Gangster: É claro que não vai, não é assim que as coisas funcionam. 

Derrick: Você não sabe a quantidade de provas que tive de gabaritar por ela!

Gangster: Você está acostumado a receber tudo de mãos beijadas!

Henry: É claro que sim, sou um canalha de cara lisa!

Derrick: Mas estamos numa situação fantástica, os paradigmas da vida cotidiana não são válidos aqui! É por isso que me dei bem.

Henry: Não posso aceitar isto! Você é o cara que todo mundo sacaneia! Sabe como te chamam pelas costas? Arroz! Você só serve para acompanhar!

Derrick: Eu adoraria continuar aqui discutindo com você, mas estou perdendo muito sangue. Seu Gangster, preciso chegar ao hospital antes de morrer. 

Gangster: Vocês dois estão livres para serem felizes.

Lilian: É muita generosidade da sua parte. 

Lilian auxilia Derrick a andar. Atravessam o palco até saírem de cena. 

Henry: Seu idiota, você deixou os dois fugirem!

Gangster: Se eu deixei, de livre e espontânea vontade, significa que eles não fugiram. 

Zeck: Parece mais uma daquelas questões de semântica.

Henry: Tô me fodendo para a semântica!

Gangster: Olha a boca suja!

Henry: Vá se foder!

Gangster: Você está esquecendo quem é que está armado aqui. 

Zeck: Pelo amor de Deus, cale a boca, Henry!

Gangster: Se as pessoas fossem mais educadas, não precisariam levar bala. Este imbecil ensangüentado aí, por exemplo - aponta para o corpo do bandido - ainda estaria vivo e roubando!

Henry: E se você não tivesse entrado aqui...

Zeck: Cale a boca, Henry, por favor, cale essa maldita boca!

Henry: Eu estaria...

Gangster: Deixe que eu fale, eu sei qual é o problema: ele é mal amado!

Henry: Mal amado? Quem é você para dizer isto?

Gangster: Conheço o seu tipo, sei que a mulher a quem você dedicou toda a sua existência lhe deixou para ficar com outro. É por isso que você se vinga usando todas que encontra pela frente, não é? Pensa que está dando o troco, mas isto não é certo, cara. 

Henry: Que papo furado é este? Isto nunca aconteceu comigo!

Zeck: Eu acho que aconteceu sim.

Henry: Que amigo da porra é você, Zeck?

Zeck: Não é nada, Henry, mas já queria falar sobre isso há algum tempo. Você não é o mesmo desde que a Penélope lhe deixou! Bebe demais, dorme de menos e inventa coisas estranhas... Essa história de detonar o zodíaco...

Gangster: Agora sim estamos vendo suas verdadeiras cores, rapaz. 

Henry: Vão se danar, vocês dois!

Gangster: Pelo que vejo você realmente amava esta mulher. Cara, você precisa respirar fundo e virar a página... Curtir a vida! 

Henry: Eu estou curtindo, porra, estou pegando uma vadia atrás da outra!

Zeck: Isso não é saudável, Henry. 

Henry: Saudável? Você é médico, por acaso? 

Gangster: Ele só está usando de bom senso. 

Henry: Bom senso? Então não se meta comigo, seu viado duma figa!

Henry avança na direção do Gangster e acerta-o com um soco. A arma cai, o Gangster revida. O confronto prolonga-se e as pessoas aproveitam para fugir uma após a outra. Zeck fica pensativo, mas, por fim, resolve fugir também. Depois de alguns socos e chutes, o Gangster cai no chão próximo à arma. 

Henry: O problema de vocês, românticos, é que só sabem falar!

Gangster: Ah, é? E você sabe qual é o seu problema? 

Henry: Qual?

Gangster: É não ter uma arma!

O Gangster empunha a arma e fuzila Henry. Levanta-se e olha ao redor. 

Gangster: Que droga, todos fugiram!

Fecham-se as cortinas e reabrem com outro cenário: o exterior. Vêem-se alguns carros de polícia, tiras e alguns dos figurantes que acabaram de sair. Passa-se algum tempo até que o Gangster saia do banco. 

Guarda com auto-falante: LARGUE A ARMA, VOCÊ NÃO TEM MAIS AO QUE RECORRER!

Gangster: Ainda tenho um refém!

Guarda com auto-falante: NÃO VEJO NENHUM!

O Gangster aponta a arma para a cabeça. 

Gangster: Se não atenderem minhas exigências, vou atirar.

Alguém se aproxima do guarda.

RP: Muita calma nesta hora, estimular o suicídio de outrem é crime.

Guarda (sem usar o auto-falante): Quer dizer que o refém desse cara é ele mesmo?

RP: É como se fosse.

Guarda com auto-falante: QUAIS SÃO AS SUAS EXIGÊNCIAS?

Gangster: Deixem um carro e debandem.

Guarda com auto-falante: NEGÓCIO FECHADO.

Gangster: Assim tão fácil?

Guarda com auto-falante: ESTAMOS DE BOM HUMOR. 

Gangster: Há, há, então tirei a sorte grande. 

O gangster tira a arma da cabeça e sorri. 

Guarda com auto-falante: ERRADO! HOMENS, ATIRAR!

A rajada de tiros dura de cinco a seis segundos. O Gangster, morto, cai num baque surdo que ecoa uma, duas, três vezes: é um mártir que se vai. As cortinas vão se fechando enquanto o hino dos Estados Unidos é tocado.

FIM