Revival


Título: Revival
Autor: Stephen King
Editora: Suma de Letras
Páginas: 376
ISBN: 9788581053103

Jamie Morton vive em uma cidadezinha na Nova Inglaterra com seus pais e irmãos e, em 1962, conhece Charles Jacobs, o novo reverendo, que chega a cidade com sua bela esposa e seu filho. Assim que o garoto de seis anos e o reverendo se conhecem, logo uma conexão é estabelecida entre os dois, uma conexão que duraria muito tempo. 

Jacobs é um homem jovem, simpático e que encanta a todos com seus sermões e sua família perfeita. O jovem reverendo também encanta Jamie, que logo percebe o que mais fascina Charles: engenhocas, baterias e, especialmente, eletricidade. 

Mas apesar de ser extremamente querido por todos, o reverendo acaba sendo banido da cidade após uma tragédia que viria a afetar a todos daquela cidade. 

Jamie não tem mais notícias do reverendo, até que depois de muito tempo, com trinta e poucos anos, vivendo na estrada como integrante de uma banda de rock e viciado em heroína, no fundo do poço, Jamie reencontra Charles, agora Dan Jacobs, que diz que pode ajudar Jamie a largar seu vício em heroína.

"- Alguma coisa - falei. - Alguma coisa, alguma coisa, alguma coisa. Aconteceu. Aconteceu. Alguma coisa aconteceu. Alguma coisa aconteceu, aconteceu, alguma coisa aconteceu. Aconteceu. Alguma coisa". (p. 158)

Essa "coisa que aconteceu" acaba por unir os dois personagens ainda mais, em uma espécie de pacto realmente assustador, levando Jamie e o antigo reverendo a se afastarem. Mas esse não seria o último encontro entre os dois. Anos mais tarde, Jamie e o agora Pastor Danny, se encontram e alguma coisa grande irá realmente acontecer. 

"Se nossa fé for forte, iremos para o Céu, onde entenderemos tudo. Como se a vida fosse uma piada e o céu fosse o lugar onde a moral cósmica da história é finalmente explicada". (p. 73)

Revival é o primeiro livro do Stephen King que eu leio e posso afirmar que não me decepcionei em nada. Confesso que durante a leitura me desanimei por acreditar que já sabia o que iria acontecer no final, tudo estava parecendo percorrer um caminho óbvio demais, mas então ALGUMA COISA ACONTECEU e o final não foi nada daquilo que eu esperava, ainda bem! Pois foi muito melhor e, realmente, muito assustador, totalmente inspirado em H. P. Lovecraft

Acompanhamos Jamie por cinco décadas, e a narrativa pode ser cansativa para alguns. Para mim, foi bastante satisfatória, Jamie passa a ser um amigo, alguém íntimo, aliás, acompanhamos todos os personagens por muito tempo de suas vidas, o que os torna queridos para o leitor e, qualquer coisa que aconteça, acaba sendo pior ou mais assustadora especialmente por essa ligação que o autor consegue criar. 

Revival aborda questões como religião, obsessão, loucura, o bem e o mal (e o que levaria a esse último), a própria vida e a morte. É um livro cheio de tensão, um verdadeiro terror psicológico que faz com que o leitor não queira largar até terminar de ler.

A Lista


Título: A Lista
Título original: One hundred names
Autor: Cecelia Ahern
Editora: Novo Conceito
Páginas: 384
ISBN: 9788581636832

Aos 32 anos, Kitty Logan parecia ter conquistado tudo o que desejava: uma carreira ascendente como jornalista da Etcetera, revista amplamente respeitada pela indústria, e uma chance de escrever matérias para o programa de TV Thirty Minutes. Mas o que parecia ser a matéria que iria alavancar a sua carreira, acaba por se tornar a sua ruína. Graças à sua desastrosa matéria, Kitty é suspensa da emissora, que sofre um processo judicial, e torna o rosto, o erro e o nome de Kitty conhecidos por mais de meio milhão de pessoas.

Além da sua reputação profissional destruída e do seu apartamento sofrer os mais diversos tipos de vandalizações, o namorado de Kitty a larga sem qualquer motivo aparente, seu melhor amigo, Steve, está extremamente decepcionado com ela e, o pior, Costante, fundadora e editora da Etcetera e conselheira e mentora de Kitty, está gravemente doente.

Antes de morrer, Constance fala para Kitty sobre uma história que gostaria de escrever e, quando a editora morre, deixa para Kitty uma lista com o nome de cem pessoas, sem qualquer resumo, sinopse, ou qualquer outra coisa que explicasse quem eram essas pessoas ou de que se tratava a história. Mesmo assim, a coisa que Kitty mais quer é honrar o nome de sua amiga e escrever a melhor história que já escreveu, não importando que seus colegas de trabalho não confiem mais nela ou que seu emprego na Etcetera esteja por um fio. 

Mas, por mais que fitasse aqueles nomes das listas ou ouvisse a história daquelas pessoas, Kitty não conseguia enxergar qual conexão poderia existir entre todas elas e, mais do que com a sua carreira, ela começa a se preocupar com o tipo de pessoa que vem se tornando. 

A missão de Kitty é a de contar uma história e Cecelia Ahern traz ao leitor uma linda história. A autora sempre consegue transformar os piores momentos de seus personagens em experiências realmente transformadoras e bonitas e, em A Lista, Cecelia mais uma vez vê bondade no ser humano e contagia o leitor com uma história mágica e encantadora.

Numa atmosfera descomplicada e com personagens cativantes, que possuem histórias simples e belas, A Lista é um livro com uma história de uma jornada incrível e delicadamente escrito, repleto de sensibilidade.

O Grifo de Abdera


Título: O Grifo de Abdera
Autor: Lourenço Mutarelli
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 280
ISBN: 9788535926293


Lourenço Mutarelli é Mauro Tule Cornelli. Também é Paulo Schiavino e Raimundo, vulgo Mundinho. Mauro é Mauro, mas também é Oliver Mulato. Oliver tem quarenta e oito anos e é professor de educação física. Mauro tem quarenta e nove anos e é escritor. Ele está escrevendo um livro agora.

"Apesar do protagonista dessa história ser Oliver, vou ter que falar de mim muitas vezes. Afinal, eu também sou ele. E, embora as pessoas não percebam, nós somos idênticos". (p. 19)

Paulo Schiavino desenha as HQs em que Mauro é roteirista. Os dois publicam sob a alcunha de Lourenço Mutarelli e é Mundinho, um cara descolado e com ginga de malandro, que dá corpo ao personagem criado pelos dois. 

Depois que Mauro recebe de um estranho uma moeda de centenas de anos em promessa do pagamento de uma dívida ancestral, alguma coisa muda. Oliver não conhece Mauro, nem Paulo ou Lourenço, nem Raimundo. Mas depois da moeda (ou da omelete com um resto de queijo gruyère feita por Mauro), Oliver passa a agir de uma forma diferente. O professor de educação física passa a ter crises onde dispara frases desconexas e chulas em espanhol, o que lhe rende vários problemas. Oliver não tem consciência da presença de Mauro, mas Mauro sim. 

"No início, ter a cognição de Oliver me paralisava e quase me enlouqueceu". (p. 29)

Surge o duplo. Enquanto Mauro sofre um bloqueio, Oliver aproveita para experimentar sua habilidade de desenhista. A HQ de Oliver, que pode ser de Paulo ou Mauro, está encartada no livro (mais ou menos 80 páginas, que não quebram a leitura, mas a complementam) e a partir dessa ligação surge um labirinto de experimentações onde o autor explora suas diversas facetas. Aliás, não só explora, como desconstrói (e desmembra) e então coloca as peças no lugar (?). 


O Grifo de Abdera é o primeiro trabalho do Lourenço Mutarelli com o qual tenho contato. Acredito que quem acompanha seus trabalhos há mais tempo irá identificar muito mais elementos em O Grifo do que eu. Mesmo assim, não senti que a leitura tenha sido prejudicada ou tenha perdido a qualidade. O Grifo de Abdera compreende mistérios que vão além de um indivíduo ou dois, mas engloba encontros e desencontros universais e o tédio (ou o cotidiano sem qualquer tipo de maquiagem). E, é claro, o autor aproveita e comenta sobre literatura e o mundo literário, com humor e ironia.

O Jogo da Amarelinha


Título: O Jogo da Amarelinha
Título original: Rayuela
Autor: Julio Cortázar
Editora: Civilização Brasileira
Páginas: 602
ISBN: 9788520011980

"Encontraria a Maga?". 

Assim começa O Jogo da Amarelinha e a busca, já fadada ao fracasso, de Horácio Oliveira, herói problemático e introspectivo, não importando se o leitor inicia a leitura de forma cronológica (primeiro livro), do 1° capítulo ao capítulo 56, ou se o leitor começa a leitura proposta pelo autor, iniciando a leitura pelo capítulo 73 (segundo livro) e indo e vindo numa leitura que lembra o jogo da amarelinha, pois Rayuela, publicado primeiramente em 1963, é um livro dividido em três partes (Do lado de lá, Do lado de cá e De outros lados) e essas três partes podem ser lidas de forma independentes ou, se o leitor preferir, seguir a ordem sugerida pelo autor, mencionada anteriormente (primeiro e segundo livro, fracasso iminente).

O Jogo da Amarelinha é um livro subjetivo, aberto a múltiplas leituras e olhares, onde o leitor participa da leitura, é executante e não meramente consumidor de uma história que aqui, na verdade, vai além de uma história, mas busca as possibilidades de se contar uma história. 

Do lado de lá, o argentino Horácio Oliveira vive em Paris em meio aos companheiros de exílio, os membros do Clube da Serpente, onde discutem arte, política e filosofia, onde ouvem jazz, fazem sexo, andam pelas ruas de Paris e vagam por vielas metafísicas e também é em Paris onde vive um romance com Maga. Do lado de cá, Oliveira se encontra na Argentina ao lado de Traveler e Talita, em meio ao circo e a um hospício e encontra Maga em diversos aspectos de Talita. Por fim (ou não), em De outros lados (ou capítulos prescindíveis), o leitor pode sentir certo desconforto, pois as informações nestes capítulos parecem ser as mais desordenadas possíveis, uma espécie de colagem dentro do livro, mas é aqui que encontramos as ideias de Julio Cortázar acerca de sua teoria da criação poética na voz de Morelli. 

Combinando uma forma inusitada de ler com a busca de Horácio, (uma realidade que engloba outra realidade, uma realidade verdadeira, não transcendental), O Jogo da Amarelinha se torna o tipo de livro difícil de se esquecer, que deixa um sabor amargo na boca e, mesmo não possuindo uma leitura fácil, não poderia ser outra coisa que não fantástico. 

Promoção: Natal Literário


O natal está chegando e por isso o Seguindo o Coelho Branco resolveu juntar alguns blogs amigos e fazer uma promoção nessa data festiva.

Que tal concorrer a vários prêmios? Lembrando que serão dois ganhadores!

  • Primeiro lugar levará: 7 livros + 3 opções extras dentre marcadores, livretos e etc.
  • Segundo lugar: levará 3 livros e as demais opções extras. 

Prêmios:

Livro Para continuar + 5 marcadores - Seguindo o Coelho Branco, Marcadores + Degustação (livreto) Minha Velha Estante, Livro Minta que me Ama - Da Imaginação à Escrita, Livro No Limite do Perigo - Por uma boa Leitura, 10 marcadores + pôster Cidades de Papel - Coração Leitor, Marcadores + Livreto - My Little Garden of Ideas, Livro O Morro dos Ventos Uivantes - Inspirada por Palavras, Livro Louco por Você + 10 marcadores + 2 livretos - Electric Beans,  Livro No Limite do Perigo - Conjunto da Obra, Livro A Culpa É das Estrelas + marcadores -Estante Diagonal, Livro Pequenos Deuses - O Maravilhoso Mundo da leitura, Kit de Marcadores - Intuição Literária, Livro Eu e um outro - Saleta de Leitura,  Livro Entre Quatro poderes - Alegria de Viver e amar o que É bom

A Menina da Neve


Título: A Menina da Neve
Título original: The Snow Child
Autor: Eowyn Ivey
Editora: Novo Conceito
Páginas: 352
ISBN: 9788581638010

Jack e Mabel resolveram se mudar para o Alasca para se afastarem dos olhares piedosos de amigos e familiares que a falta de filhos causava. Com cinquenta anos, o casal buscava um lugar onde o arrependimento e o fracasso fossem deixados para trás, um lugar onde poderiam se reconectar e construir uma nova vida. 

Mas a falta de comunicação entre os dois, o inverno rigoroso, a escassez de alimentos e o isolamento autoimposto fazem com que o casal se afaste cada vez mais um do outro, com Jack trabalhando cada vez mais duro na fazenda e Mabel se perdendo numa solidão que a leva ao desespero. 

"Ele hesitou. Estava cansado. Era tarde. Eles estavam velhos demais para essa bobagem. Havia uma dezena de motivos para não fazer aquilo, Mabel sabia, mas mesmo assim ele colocou o lampião de volta na neve". (p. 43)

Numa noite, quando cai a neve, os dois resolvem fazer um boneco de neve, uma menininha. Vestem-na com luvas e um cachecol vermelhos e Jack esculpe olhos, nariz e lábios perfeitos. 

No dia seguinte, para espanto dos dois, o boneco não está mais lá, nem as luvas ou o cachecol, e pegadas humanas surgem, pequenas, que afastam-se da cabana do casal e vão em direção às árvores.

Logo uma menina aparece pelos arredores correndo por entre as árvores na companhia de uma raposa-vermelha. 

"Por aqui eles chamam isso de "febre da cabana". Você fica deprimida, tudo parece fora de ordem, e às vezes sua mente começa a lhe pregar peças. - Esther estendeu o braço e pôs a mão sobre a de Mabel. - Você começa a sentir coisas das quais tem medo... Ou coisas que sempre desejou". (p. 76) 

Jack e Mabel tentam compreender a existência daquela menina tímida e selvagem e como ela poderia sobreviver sozinha no duro inverno do Alasca enquanto a sua presença traz esperança e ânimo ao casal.  A vida dos dois, antes solitária, passa a ter um outro sentindo com as visitas da garota e com a amizade que travam com seus vizinhos, no entanto, o que cada um sente pela garotinha e acredita ser a verdade sobre sua existência parece isolá-los mais uma vez um do outro. 

Inspirado no folclore russo (Little Daughter of the Snow, de Old Peter's Russian Tales, de Arthur Ransome e na história de Snegurochka), A Menina da Neve, de Eowyn Ivey é belo e triste, um livro doce e doloroso envolto em magia e mistério, como um bom conto de fadas. 

Com uma trama muito bem construída, Eowyn Ivey nos leva para o Alasca de 1920, um lugar frio e feroz, onde realidade e fantasia se encontram numa atmosfera melancólica, nos oferecendo uma leitura suave e encantadora.

Hamlet


Título: Hamlet
Título original: The Tragedy of Hamlet, Prince of Denmark
Autor: Shakespeare
Editora: Penguin-Companhia
Páginas: 352
ISBN: 9788582850145

Nunca tive interesse em ler Shakespeare, mas depois de Graça Infinita (Infinit Jest) e dessa palestra aqui do Leandro Karnal eu fiquei bastante interessada pela tragédia de Hamlet, que não só inspirou o título do livro de David Foster Wallace, mas foi reinterpretada pelo autor, trazendo toda uma nova roupagem e frescor para os novos leitores. 

"Alas, poor Yorick! I knew him, Horatio; a fellow of infinite jest, of most excellent fancy; he hath borne me on his back a thousand times; and now, how abhorred in my imagination it is! My gorge rises at it. Here hung those lips that I have kissed I know not how oft. Where be your gibes now? Your gambols? Your songs? Your flashes of merriment, that were wont to set the table on a roar?". (Ato V, Cena 1)

Estudado e virado do avesso tantas e tantas vezes, Hamlet se mantém atual até hoje, especialmente porque é extremamente psicológico e explora temas (corrupção, traição, loucura (fingida e real), vingança, obsessão etc.) tão presentes na vida do homem. 

Um clássico pode parecer assustador, tanto por aquela obrigatoriedade de ter-que-gostar-porque-todo-mundo-gosta, quanto pelo grau de dificuldade que a leitura pode trazer, mas ao deixar de lado qualquer obrigação a leitura poderá ser extremamente prazerosa e proveitosa, além disso, é profundamente gratificante ler um livro que exige mais de você, o que também tornará a leitura de outros livros mais complexos não tão difícil e ainda mais agradável. 

Aliás, essa edição de Hamlet do selo Penguin-Companhia, da Companhia das Letras, traz uma maravilhosa tradução e uma excelente introdução de Lawrence Flores Pereira, além de diversas notas que explicam e esclarecem muitas coisas acerca do texto, fazendo com que o leitor não tenha nenhuma dúvida ao final da leitura da peça, sem contar o ensaio do poeta T.S. Eliot sobre o texto shakesperiano.

Te vendo um cachorro


Título: Te vendo um cachorro
Título original: Te vendo un perro
Autor: Juan Pablo Villalobos
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 248
ISBN: 9788535926316
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Não li Festa no covil nem Se vivêssemos em um lugar normal que, com Te vendo um cachorro, formam a trilogia sobre o México de Juan Pablo Villalobos. Sabendo que a leitura fora de ordem não iria interferir em nada e com o crescente interesse que venho nutrindo pelos autores latino-americanos, não pensei nem duas vezes e solicitei o livro a Companhia das Letras, que o lançou mês passado.

A escrita de Juan Pablo Villalobos é fantástica, sua narrativa flui de forma maravilhosa e os personagens criados pelo autor são demasiadamente humanos, tudo isso em conjunto com uma história extremamente rica e densa, mesmo que o romance possua poucas páginas. Aliás, o autor distribui muito bem nas 248 páginas do livro o humor, a literatura, a política, a história, o sarcasmo, a vida adulta e a velhice e o México.

Teo fracassou na pintura, assim como o seu pai, mas dele herdou o temperamento artístico. Agora, aos 78 anos, Teo vive em um prédio tão velho e decrépito quanto os seus habitantes, que se dedicam a atividades organizadas por eles mesmos, como aulas de modelagem em miolo de pão, ginástica aeróbia, ioga, informática e macramê, tudo intercalado com o novo desafio da tertúlia literária: ler os sete tomos de Em busca do tempo perdido, de Proust (edição comemorativa da Aliança Francesa, que reuni os sete volumes em um só: quatro mil duzentas e trinta páginas, capa dura, papel-bíblia, três quilos e meio). A tertúlia, que para Teo está mais para uma seita satânica, é liderada por Francesca, a síndica do prédio, com quem ele mantém uma relação de amor e ódio. 

Mas não só a tertúlia e as atividades irritam Teo, as baratas são uma verdadeira praga naquele edifício e todos os moradores insistem no fato de que Teo está escrevendo um romance, coisa que ele deixa bem clara de não estar fazendo. 

"- Pode-se saber do que estou sendo acusado? De ser escritor? Pois eu me declaro inocente!" (p. 81)

Enquanto Teo passa os dias no boteco bebendo cerveja (e contando quantas cervejas pode tomar de acordo com as economias que lhe restam), na quitanda de Juliette (fornecedora oficial de todas as revoltas com os seus tomates fétidos), importunando os tertulianos, recebendo a visita do jovem mórmon "Güílen" e usando como arma, escudo e amuleto a Teoria estética, de Adorno, o leitor encontra uma narrativa que passeia pelo passado e o presente, conhece um jovem Teo que herdou do tio uma taqueria e, com ela, a técnica de preparar tacos à base de filés caninos, um Teo apaixonado, uma mãe que dedica sua vida aos cães e um garoto que vê neles lucro para o seu negócio. 

O autor passeia pela história e política do México, fala do mexicano, traz arte, literatura, pintura, loucura e esquecimento, situações realmente cômicas que encobrem tragédias. Te vendo um cachorro tem elementos absurdos e poéticos, um livro cheio de sentidos escondidos por trás da ironia de suas páginas e de seu personagem. 

Promoção - Fragmentados + 172 Horas Na Lua

Hoje começa a promoção de dois livros lançados recentemente pela Novo Conceito: a distopia Fragmentados e o suspense com uma pitada de terror 172 Horas Na Lua + três marcadores de Fragmentados e dois livretos. Boa sorte pra todo mundo!


Prêmios:

- 1 Exemplar do livro Fragmentados, de Neal Shusterman
- 1 Exemplar do livro 172 Horas Na Lua, de Johan Harstad
- 3 marcadores de Fragmentados
- 2 livretos da Editora Valentina


a Rafflecopter giveaway

Como participar?

É bem fácil. Você deve ter endereço de entrega em território nacional e preencher o formulário.

Observações:

- A promoção começa hoje (24/09/2015) e termina no dia 24/10/2015
- O resultado será divulgado aqui no blog, no Twitter e na Fan Page do blog no dia seguinte
- Entrarei em contato com o(a) ganhador(a) por e-mail que terá 72 horas (3 dias) para responder
- Caso o sorteado não entre em contato no prazo determinado outro sorteio será feito
- O blog não será responsável por extravio, roubo ou perda ocasionado pelos Correios ou por reenvio em caso de endereço incorreto
- O envio será feito no prazo de até 30 dias

172 Horas Na Lua


Título: 172 Horas Na Lua
Título original: Darlah - 172 timer på månen
Autor: Jonah Harstad
Editora: Novo Conceito
Páginas: 288
ISBN: 9788581637099

Ninguém mais está interessado em missões lunares, pelo menos desde o último lançamento, em 1972, e para mudar essa situação a Nasa resolve transformar o quinquagésimo aniversário da primeira missão tripulada a pousar na lua em uma grande festa. A ideia que os grandões tem é a de enviar adolescentes para a lua, fazendo assim com que todo o mundo se interesse por uma nova missão (e, consequentemente, conseguindo apoio financeiro para mais missões).

O ano é 2018 e através de um sorteio três jovens são selecionados para passar uma semana na base lunar DARLAH 2, lugar desconhecido pela maioria das pessoas até então (na verdade, escondido pelos altos funcionários do governo americano).

Mia, a adolescente norueguesa que tem uma banda de rock e deseja fazer sucesso e viver de música, não tem a mínima vontade de participar do sorteio, mas seus pais acreditam que essa pode ser uma grande oportunidade para ela e a garota acaba sendo uma das sorteadas. Antoine, jovem francês que está arrasado com o término do seu namoro, tenta fazer de tudo para esquecer a sua ex, e uma viagem para um lugar tão longe parece ser uma boa ideia. Midori, uma jovem japonesa que deseja, mais do que qualquer coisa, ir embora de seu país e, assim, escapar de uma cultura opressora e restritiva, vê na viagem à lua uma oportunidade de ouro para dar o primeiro passo rumo a sua liberdade.

Os três adolescentes sorteados passam por uma bateria de testes e exames. Preparados, partem para a lua na companhia de astronautas experientes, sem saber o motivo da Nasa nunca mais ter enviado pessoas para onde eles estão indo. Logo, coisas estranhas começam a acontecer e ninguém mais tem certeza se conseguirá voltar para casa. 

Mais num clima de terror do que de ficção científica, Jonah Harstad traz ao leitor uma leitura realmente aterrorizante que, infelizmente, tem um início um tanto devagar e quando chega na parte boa acaba ficando rápido demais. 172 Horas Na Lua perde sua força em alguns momentos, tornando-se uma leitura cansativa, mas retoma a atmosfera perturbadora e inquietante ao final, quando o autor consegue desenvolver um desfecho surpreendente. 

Alguns erros de (acredito eu) tradução, acabaram fazendo com que a leitura "emperrasse" em alguns momentos, no entanto, 172 Horas Na Lua é um livro fininho e de leitura fácil, possui diversas imagens para fazer com que o leitor se sinta dentro da história e o clima de mistério faz tudo fluir bem rapidamente, o que torna a leitura bem leve. 

Os Detetives Selvagens


Título: Os Detetives Selvagens
Título original: Los Detectives Salvages
Autor: Roberto Bolaño
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 624
ISBN: 9788535908749

2666 (resenha aqui), de Roberto Bolaño, me deixou sem fôlego. É um livro-experiência que me fez querer conhecer mais as obras do autor e, felizmente, a Companhia das Letras enviou para mim um exemplar de Os Detetives Selvagens, vencedor do prêmio Rómulo Gallegos de 1999 e eleito em 2006 o livro chileno mais importante dos últimos 25 anos. 

Os Detetives Selvagens é extraordinário, um livro desconcertante e comovente, que traz ao leitor a experiência da literatura como forma de vida, experiência representada pelos dois personagens principais, Arturo Belano (alter ego de Bolaño) e Ulises Lima (baseado em Mario Santiago, poeta mexicano e amigo de Bolaño) que, curiosamente, são sempre vistos de viés. 

Belano e Lima, poetas e pais do real-visceralismo, movimento que aqui homenageia o infrarrealismo, movimento ideológico-literário idealizado por Bolaño e outros poetas no México em 1975, são apresentados ao leitor através dos olhos de outros personagens em testemunhos vários. O detetive, nessa obra, é o próprio leitor, que percorre um longo caminho que resulta não numa revelação da verdade final, mas na descoberta de um mundo repleto de ambiguidade. 

Dividido em três partes, Os Detetives Selvagens inicia na forma de um diário, onde acompanhamos o jovem aspirante a poeta García Madero. Estamos no México e o ano é 1975. García Madero conhece Belano e Lima e os reais-visceralistas, vive suas primeiras experiências sexuais e uma vida boêmia. Na segunda (e mais longa) parte do romance encontramos mais de cinquenta testemunhas que conheceram Belano e Lima. Essa segunda parte vai de 1976 a 1996 e é através de múltiplos olhares que encontramos os dois poetas que desapareceram do México numa busca por Cesárea Tinajero, a misteriosa (e desaparecida) poeta do início do século XX. Os testemunhos são de pessoas que tiveram contato com os dois e muitas vezes prolongam-se com histórias pessoais das próprias testemunhas, histórias que parecem não ter nada a ver com Belano e Lima ou com o romance em si, mas acabam tendo um significado, um sentido, através de uma narrativa que conduz a história de forma imperceptível e eficaz. Nessa parte, além da multiplicidade de personagens, abundam os cenários: México, Nicarágua, Estados Unidos, França, Espanha, Áustria, Israel, África. 

Na terceira parte, retornamos ao diário de García Madero e então temos um final fora do comum e original, o único, talvez, capaz de traduzir o significado desse grande livro. Comovente, divertido e belo, Os Detetives Selvagens é um livro-experiência essencial.

Pergunte ao Pó


Título: Pergunte ao Pó
Título original: Ask the Dust
Autor: John Fante
Editora: José Olympio
Páginas: 208
ISBN: 9788503007535

Faz bastante tempo que assisti ao filme Pergunte ao Pó (2005) e confesso que não me lembro muito bem do filme, mesmo assim, sei que o longa chamou a minha atenção e quando descobri que era baseado em um livro fui correndo atrás dele, se bem que ele ficou lá na estante, pegando pó (ba dum tss)... Felizmente tive um tempinho e o tirei da estante, minha grande surpresa foi o Prefácio, assinado por Bukowski, do qual sou grande fã e quem considerava Fante seu deus. 

Bukowski encontrou o livro na Biblioteca de Los Angeles quando jovem, passava fome, bebia e tentava ser escritor. É claro que Bukowski deve ter se identificado com Arturo Bandini, personagem central de Pergunte ao Pó e alter ego de John Fante (um dos precursores da geração Beat), e não só isso, mas encontrado nele um amigo ou irmão. 

Bandini, como Bukowski se descreve no momento em que põe as mãos em Pergunte ao Pó, é um jovem aspirante a escritor, que passa dificuldades na Cidade dos Anjos, ávido por experiências que possam tornar sua escrita grande. Bandini não tem dinheiro e estamos na década de 1930, época da Grande Depressão. Los Angeles está decadente, encarquilhada, mas numa narrativa em primeira pessoa, enquanto seguimos os passos de Bandini, observamos poesia em tudo, numa atmosfera de ausências: ausência de caminhos, respostas e objetivos. 

Bandini apaixona-se por Camilla. Ela é mexicana, ele é de origem ítalo-americana. O aspirante a escritor e a garçonete logo desenvolvem uma relação tempestuosa e inconstante. Mas Pergunte ao Pó não é sobre uma história de amor, é desesperado como os seus personagens e flui num ambiente desapiedado, onde o leitor encontra dor e humor (sardônico) em uma escrita arrebatadora.

Pergunte ao Pó faz parte de uma série de quatro romances (publicados entre 1938 e 1985) chamados hoje de "O Quarteto Bandini" que trazem o mesmo personagem, no entanto, não se faz necessária a leitura dos livros na ordem cronológica (todos os títulos já foram lançados aqui no Brasil).

Wait Until Spring, Bandini (1938) 

Espere a Primavera, Bandini

The Road To Los Angeles (cronologicamente, essa á a primeira novela escrita por Fante, mas só foi publicada em 1985)

Rumo a Los Angeles

Ask The Dust (1939)

Pergunte ao Pó

Dreams from Bunker Hill (1982)

Sonhos de Bunker Hill

O Gigante Enterrado


Título: O Gigante Enterrado
Título original: The Buried Giant
Autor: Kazuo Ishiguro
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 396
ISBN: 9788535925975

Um livro de fantasia diferente, onde cenário de "faz-de-conta" serve para o autor trabalhar as mais variadas metáforas, tratando especialmente de temas como a memória, a violência, a vingança e a morte. 

Kazuo Ishiguro nos apresenta um romance melancólico, que combina alegoria, mito e aventura, como pano de fundo uma Grã-Bretanha pós-arturiana em ruínas, onde bretões e saxões vivem uma paz muito frágil. Aí vivem nossos heróis, Axl e Beatrice, um casal de idosos que acompanhamos através de um narrador onisciente, que decide sair de sua aldeia em busca de seu filho. Mas tanto Axl quanto Beatrice não conseguem se lembrar de seu filho e então nos perguntamos se esse filho realmente existe. Esse estado amnésico, chamado de "névoa" por Axl e Beatrice, não afeta apenas o casal, mas todos os moradores de sua aldeia, que não só não discutem o passado, como nem conseguem se lembrar de fatos recentes.

Durante sua jornada, Axl e Beatrice encontram Wistan, um guerreiro saxão com uma missão secreta e Edwin, um jovem saxão resgatado pelo guerreiro de ogros que, devido ao perigo que corre em sua aldeia por ter sido mordido por uma das criaturas (o que faz com que seja temido por todos os moradores), segue viagem com Wistan e o casal de idosos. Ao longo do caminho os quatro encontram sir Gawain, sobrinho de Arthur e um cavaleiro remanescente da era arturiana, agora um senhor idoso que, assim como Wistan, também possui um missão secreta (essa confiada pelo próprio rei Arthur) e um passado cheio de segredos.

Axl e Beatrice também encontram um barqueiro a quem devem convencer de sua devoção para poderem continuar juntos, mas sem lembranças do que compartilharam como podem provar seu amor? No entanto, o sentimento que eles sentem hoje seria o suficiente para suportar o retorno de todas as lembranças ruins? O medo de falhar é grande, mas o de se decepcionar também. Enquanto isso, o casal descobre através dos seus companheiros de viagem que a "névoa" pode estar relacionada a uma dragoa e partem em sua busca. 

O Gigante Enterrado leva o leitor numa busca por respostas juntamente com Axl e Beatrice, enquanto o autor revela gradativamente as soluções para cada uma das questões. A guerra (e a barbárie) e a memória, temas centrais no romance são trabalhados de forma habilidosa em meio a metáforas, num romance obscuro e reflexivo, sobre a memória coletiva, o amor, a convivência e o que há de mais profundo, seja o medo ou o desejo, no ser humano.

Fragmentados


Título: Fragmentados (Unwind Distology #1)
Título original: Unwind
Autor: Neal Shusterman
Editora: Novo Conceito
Páginas: 368
ISBN: 9788581635194

"Você sabe, um conflito sempre começa com uma questão: uma diferença de opinião, uma disputa. Mas, no momento em que vira uma guerra, a questão não importa mais, pois agora tem a ver com uma única coisa, e apenas com ela: o tamanho do ódio que um lado tem pelo outro". (p. 208)

Para acabar com a Guerra de Heartland, onde de um lado havia o exército Pró-Vida e, do outro, o Pró-Escolha, criou-se A Lei da Vida, lei que foi possível ser criada a partir do aperfeiçoamento do neurotransplante, técnica onde cada parte do doador pode ser usada em um transplante. Com essa lei a vida humana não poderia ser tocada desde o momento da concepção até a criança atingir a idade da razão, estabelecida aos 13 anos. A partir dessa idade até os 18 anos qualquer jovem poderia ser "abortado" retroativamente sem ter sua vida realmente encerrada, basta seus pais ou responsáveis assinarem um termo se assim desejarem. O jovem "abortado" ou fragmentado tem todas as partes do seu corpo reduzidas a pedaços transplantados naqueles que necessitam (alguns nem tanto), desde alguém que sofreu um acidente ou tem uma doença até alguém que deseja uma mão mais nova e sem rugas.

E é nesse futuro distópico com cara de terror que Neal Shusterman nos apresenta três personagens bem distintos:

Connor é um rapaz de dezesseis anos que tem um temperamento estourado e se mete muito em brigas e que acaba descobrindo que seus pais assinaram uma ordem de fragmentação para ele.

Risa é uma garota de quinze anos que vive sob a tutela do Estado desde que nasceu. Tem um comportamento exemplar, tira ótimas notas e é muito boa pianista, mas é preciso abrir espaço para novos tutelados e Risa é descartável nesse momento.

Lev, por fim, é o décimo filho de uma família rica e religiosa, ele é um dízimo, ou seja, uma "doação". Aos treze anos de idade ele se sentia feliz por ser um dízimo, sempre soube que seria fragmentado e isso sempre foi motivo de orgulho, pois estaria servindo tanto a Deus quanto à humanidade. 

Enquanto Connor sabe que a única forma de escapar da fragmentação e se manter, literalmente, inteiro, é fugindo e desertando, não só por alguns dias, mas pelos próximos dois anos, Risa não vê escapatório e Lev está contente com o seu destino. Mas o caminho desses três jovens acaba se cruzando de forma inesperada e juntos partem em uma fuga desenfreada.

Com uma narrativa em terceira pessoa que faz com que o leitor possa ter uma visão mais ampla dos acontecimentos e capítulos curtos que vão se intercalando entre os personagens, Fragmentados consegue dosar bem suspense e ação, além de trazer personagens que contribuem para o bom desenvolvimento da trama. E, por falar nos personagens, é Lev quem mais surpreende o leitor. Ele é o personagem mais profundo, que traz grandes questionamentos e que muda diversas vezes no decorrer da história. Lev é, mais do que qualquer coisa, absurdamente humano. 

Fragmentados é um livro que realmente prende a atenção e todas as questões inicialmente não resolvidas são esclarecidas no final, fechando o livro de forma bastante satisfatória, apesar de ser uma série. As questões que o autor traz são bem interessantes, como por exemplo: quando se dá início a consciência e quando ela termina? A alma existe e, se existe, onde ela se encontra? O livro também trata de temas como adoção, abandono de crianças, doação de órgãos, alienação, fé etc. No entanto, nenhuma dessas questões ou temas é abordado de forma profunda e, acredito que mesmo sendo um livro voltado para o público mais jovem o autor poderia sim, ter se aprofundado mais. Mesmo assim, Fragmentados é uma boa dica de leitura para quem está começando suas leituras dentro desse gênero e busca por reflexões que venham dar início a muitas outras (e, é claro, tantas outras leituras).


França


Polônia


Espanha


Indonésia


Alemanha

2666


Título: 2666
Autor: Roberto Bolaño
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 856
ISBN: 9788535916485

Lançado em 2004, um ano após a morte do autor, 2666, calhamaço com 1.100 páginas na versão espanhola, de acordo com as instruções do autor, deveria ser publicado em cinco livros (cada um correspondendo às cinco partes do romance), lançados um por ano. Roberto Bolaño fazia isso para assegurar o futuro econômico dos filhos, no entanto, após a morte do autor e depois da leitura e do estudo da obra, levou-se em conta o valor literário da obra, sendo ela publicada em um só volume. 

Mas, para falar de 2666, é preciso falar de cada uma de suas partes que se interrompem abruptamente e ao mesmo tempo se interligam. 

Na primeira parte, A parte dos críticos, somos apresentados a quatro intelectuais europeus, o francês Pelletier, o italiano Morini, o espanhol Espinoza e a inglesa Norton, unidos pela obsessão que nutrem por um autor alemão recluso do qual não se tem notícias. Observamos a relação entre os quatro intelectuais, que criam o mito do autor, confabulam e especulam. E é Amalfitano, personagem que será explorado na segunda parte e que surge aqui como guia dos quatro europeus em uma busca por Benno von Archimboldi, que consegue expressar de forma precisa o comportamento do intelectual.

"Por sua vez, os intelectuais sem sombra estão sempre de costas e, portanto, a não ser que tivessem olhos na nuca, é impossível verem o que quer que seja. Eles só escutam os ruídos que saem do fundo da mina. E os traduzem ou reinterpretam ou recriam. Seu trabalho, nem é preciso dizer, é paupérrimo. Empregam a retórica ali onde se intui um furacão, tentam ser eloquentes ali onde intuem a fúria desbragada, procuram ater-se à disciplina da métrica ali onde só resta um silêncio ensurdecedor e inútil. Dizem piu-piu, au-au, miau-miau, porque são incapazes de imaginar um animal de proporções colossais ou a ausência de um animal". (p. 127)

Da amizade surge um triângulo amoroso, e mais uma vez surge a obsessão. Mais amena e "lógica", A parte dos críticos não deixa de flertar com a violência e a loucura. 

Quando os quatro intelectuais conseguem uma pista para o suposto paradeiro de Archimboldi, partem para Santa Teresa, cidade fronteiriça no México, menos Morini, devido aos seus problemas de saúde. 

Assim partimos para a segunda parte, A parte de Amalfitano, onde conhecemos mais um pouco o professor chileno que vive em Santa Teresa com sua filha Rosa e que foi abandonado pela mulher. Nesta segunda parte temos o retrato de um homem cuja tristeza e a solidão, o vazio e a paranoia, levam-no a perder a razão.

"De que se trata a experiência?, perguntou Rosa. Que experiência?, perguntou Amalfitano. A do livro pendurado, disse Rosa. Não é nenhuma experiência no sentido literal da palavra, disse Amalfitano. Por que está ali?, perguntou Rosa. Me passou pela cabeça de repente, respondeu Amalfitano, a ideia é de Duchamp, deixar um livro de geometria pendurado às intempéries para ver se aprende alguma coisa da vida real. Você vai destruí-lo, disse Rosa. Eu não, replicou Amalfitano, a natureza". (p. 196)

Mas, mais do que louco, Amalfitano parece alguém extremamente sensível, alguém que encontrou seu ponto de ruptura numa existência que perdeu o sentido. 

Nessa segunda parte também ficamos sabendo dos crimes que estão ocorrendo em Santa Teresa, crimes que serão explorados na quarta, e maior parte, do livro, crimes brutais contra mulheres que assustam Amalfitano que teme pela vida de sua filha. 

O retrato de uma cidade desoladora leva à terceira parte, A parte de Fate, onde observamos uma paisagem ainda mais avassaladora e o prenúncio de uma atmosfera sombria. Fate é um jornalista negro que escreve sobre temas políticos e sociais em Nova York que acaba de perder a mãe e vai até Santa Teresa para cobrir uma luta de boxe. Mas antes disso ele vai para Detroit escrever sobre Barry Seaman, um dos fundadores dos Panteras Negras, e é numa fala de Seaman em uma igreja que encontramos um belo, ora cômico, discurso, sobre o mar, as estrelas, costeletas de porco e livros.

"Ler é como pensar, como rezar, como conversar com um amigo, como expor suas ideias, como ouvir as ideias dos outros, como ouvir música (sim, sim), como contemplar uma paisagem, como dar um passeio pela praia". (p. 253)

Em Santa Tereza Fate se envolve com Rosa Amalfitano e diferentemente dos críticos e de Amalfitano, que estão comprometidos com o abstrato, os primeiros com uma figura que desapareceu, o segundo com questões existenciais, Fate está envolvido com o que há de concreto, com as coisas que o cercam e, assim, o leitor fica cada vez mais próximo da veia pulsante de 2666, como se a terceira parte fosse um vislumbre do inferno antes da queda.

A quarta parte e o centro da história, A parte dos crimes, situa-se em Santa Teresa, onde desde o início da década de 1990 centenas de mulheres são assassinadas e encontradas em lixões, terrenos baldios e no meio do deserto, muitas vezes verificando-se que foram violentadas e com os corpos mutilados. Bolaño, que viveu na Cidade do México, baseou-se em Ciudad Juárez, que se tornou conhecida pelo número insano de mulheres mortas durante esse período. 

São páginas e mais páginas (mais de 200) relatando como as mulheres foram mortas, como em um relatório policial. São crimes bárbaros mas os casos logo são arquivados, muitos corpos não são identificados, sendo enterrados em valas comuns. Nem mesmo o desaparecimento das mulheres é reclamado e algumas prisões são feitas, um bode expiatório é escolhido, mas nunca se chega a uma conclusão satisfatória, enquanto mais mulheres morrem. 

A quarta parte é uma sequência infernal, puro horror e bestialidade, sem rodeios ou retoques, mas crua e brutal, indigesta e um retrato da impunidade e do mal. 

Por fim, na quinta parte, a Parte de Archimboldi, conhecemos o recluso autor alemão, desde a sua infância e também o acompanhamos no front da Segunda Guerra Mundial. Aqui o leitor parece conseguir respirar um pouco mais aliviado de início depois da leitura aterradora da parte anterior, mas logo encontramos novamente a violência e algo de solitário. 

Ler 2666 é uma experiência e tanto, um livro que não termina, mesmo depois da última página, porque é o tipo de livro que permanece na memória e modifica o leitor. Como classificar algo que não pode ser classificado? 2666 é assim. Trata de literatura e violência, loucura e solidão, trata do ser humano e essa fatalidade de ser.

Eu Te Darei O Sol


Título: Eu Te Darei O Sol
Título original: I'll give you the sun
Autor: Jandy Nelson
Editora: Novo Conceito
Páginas: 384
ISBN: 9788581636467

"Como sou capaz de ver as almas das pessoas às vezes, ao desenhá-las, sei o seguinte: a mamãe tem uma enorme alma de girassol, tão grande que mal sobra lugar para os órgãos. Jude e eu temos uma alma em comum que compartilhamos: uma árvore com folhas em chamas. E o papai tem um prato de larvas como alma". (p. 19)

Desde as suas primeiras células Noah e Jude estavam juntos. Vieram ao mundo juntos. E até os treze anos nunca escolheram coisas diferentes, se assim não fosse, seriam pessoas pela metade. Até que tudo muda quando os gêmeos se tornam pessoas bem diferentes um do outro, duas pessoas que não conseguem reconhecer o outro. Tudo começa quando disputam a atenção da mãe. A atenção do pai, ou a preferência, já é sabida, Jude é a queridinha. 

Quando os irmãos descobrem, ou pensam descobrir quem a mãe prefere, a raiva e o ressentimento acabam distanciando os dois. Noah continua sendo o jovem solitário que é importunado pelos valentões, enquanto se perde nos seus desenhos e, mesmo quando não está desenhando com lápis e papel, está desenhando em sua cabeça, no seu museu invisível. Já Jude é uma garota extrovertida, com amigos e que surfa. Resumindo, Noah é um bolha e Jude é popular. 

No entanto, os dois compartilham o amor pela arte herdado pela mãe. Noah é um artista, extraordinário com seus desenhos e pinturas e se considera um revolucionário, já Jude parece não se sentir tão convencida de que é tão boa assim e não compartilha da mesma intensa paixão do irmão. Mesmo assim ambos se inscrevem para a escola de artes, mesmo que Jude só queira ir para a escola normal com seus amigos. 

Enquanto isso, Brian, um garoto novo na cidade, que carrega estrelas em uma mala, estremece ainda mais a relação dos irmãos, já bastante conturbada e em meio a segredos e mentiras e um acidente trágico, uma família acaba se prendendo dentro de cascas vazias e se perdendo uns dos outros. 

Eu Te Darei O Sol, de Jandy Nelson, é um livro belíssimo, cheio cores, texturas e sabores, delicado e encantador, que desperta no leitor diversas emoções e cativa do início ao fim. Narrado sob duas perspectivas, a de Noah, a partir dos seus treze anos e a de Jude, a partir dos seus dezesseis anos. Cada narrativa é única assim como os irmãos, que possuem personalidades distintas e culpas e segredos que carregam consigo. 

Durante a narrativa de Noah conhecemos um jovem apaixonado e criativo, que está se descobrindo sexualmente e a autora descreve essa parte com muita naturalidade, fazendo com que o leitor também se apaixone e sinta tudo como Noah sente, de forma intensa e sofrida, pura e dolorida. A narrativa de Jude, de início, pode causar antipatia pela personagem, sentimento que logo é deixado de lado quando conhecemos a personagem mais adiante, uma jovem hipocondríaca cujo único amigo é possivelmente uma invenção da sua cabeça: o espírito da sua avó Sweetwine, que deixou para a neta uma bíblia repleta de conselhos e crendices anotados ao longo dos anos por ela (que Clark Gable a tenha! É assim que a vovó Sweetwine chama Deus), o que torna Jude uma pessoa extremamente supersticiosa, algo extremamente cômico. 

Mas Jude também tem segredos que a machucam e muitas coisas que ainda não compreende e que a afastam do seu irmão. Os dois se repelem e vivem contando mentiras para si mesmos. A situação em casa não é boa e apenas resolvendo antigos mal-entendidos os dois podem seguir em frente, mas o amor, em todas as suas formas e níveis, compreende muitas coisas que são complicadas demais.