Peça em um ato e meio

Essa peça foi um amigo meu, David Melo, que escreveu, que por sinal é muito talentoso (confesso que sou sua fã (número 1!)). Pedi para ele que pudesse postar a peça aqui no Blog e ele deixou (muito obrigada, David!). Então, lá vai!

Beber, Jogar, Transar
Título Original: Who Sucked My Cheese?

A ação se dá no interior de um banco. Há dez pessoas: seis são figurantes e as outras são de verdade. Os quatro protagonistas distribuem-se em dois pares. O primeiro é composto por um adolescente franzino de óculos fundo de garrafa (Derrick) acompanhando uma linda garota de idade similar (Lilian). O outro par é formado por dois outros adolescentes, um deles é grande e tem porte atlético (Zeck), o outro lembra ligeiramente um canalha (Henry). Cada par está em uma das filas do banco. Som de conversa alheia.

Zeck: Não sei, acho que não vale à pena. 

Henry: Claro que vale, é mais uma história para contarmos aos nossos filhos. 

Zeck: Filhos? Não tenho nenhum filho!

Henry: Mas vai ter, do jeito que anda estourando camisinhas...

Zeck: Putz, velho, eu não estouro nada, são elas que estouram sozinhas!

Henry: Sei, imagino a cara que as garotas fazem quando escutam aquele som de 'ploc' nas partes íntimas.

Zeck: A Dani achou que o útero dela tinha sido perfurado.

Henry: Deve ser como desossar uma galinha.

Zeck: Que é isso, não é tão violento. Além do mais, elas gostam. 

Henry: Sabe se lá o porquê... Mas estamos divagando, temos logo de firmar o compromisso. E aí, você está dentro ou fora?

Zeck: Desse negócio de detonar o zodíaco? Isso soa tão gay...

Henry: O que é que tem de gay transar com 12 mulheres, uma de cada signo, seguindo a seqüência do zodíaco? Cara, nem o Seya conseguiria esta façanha!

Zeck: Imagine a quantidade de garotas que deixaremos para trás!

Henry: Que nada, a vez de cada uma delas vai chegar. Tá vendo aquela garota ali?

Henry aponta para Lilian com indiscrição.

Zeck: Sim.

Henry: Ela é de Áries e gostosinha pra carai...

Zeck: Mas está com o namorado dela.

Henry: Namorado? Você está errado, está com o otário dela. Se dependesse dele, ela poderia ter relações sexuais com a torcida do flamengo inteira. 

Zeck: Ela não tem cara de que gostaria disto. 

Henry: Mais um engano, essas menininhas com cara de santa são as mais fogosas, certa vez...

Corta para Derrick e Lilian.

Lilian: A fila está demorando mais do que deveria. 

Derrick: É. 

Lilian: Logo hoje que tenho que passar no cabeleireiro. Não terei tempo nem para o exercício de Química.

Derrick: Eu posso fazer por você. 

Lilian: Ah, Derrick, você é um doce. Sempre que preciso, você está por perto para me salvar. 

Derrick sussurra baixinho a próxima fala.

Derrick: Espero que você retribua com favores sexuais.

Lilian: O que foi que disse?

Derrick: Esta porcaria de fila está demorando demais. 

Lilian: É, e este calor terrível! Adoraria tomar uma ducha.

Sussurrando novamente.

Derrick: Enquanto faço uma sacanagem bem picante. 

Lilian: O que? Não escutei.

Derrick: Que sugestão mais refrescante. 

Lilian: Bem, finalmente chegou a nossa vez. 

Lilian encaminha-se para o caixa do banco, mas antes que qualquer transação seja realizada, um homem mascarado irrompe porta adentro. Ele segura uma pistola e aponta para várias pessoas da agência. 

Ladrão: TODOS DEITADOS COM AS MÃOS NA CABEÇA! QUEM MOVER UM DEDO LEVA CHUMBO!

Todos obedecem, até os funcionários do banco. 

Ladrão: NÃO, VOCÊS NÃO! LEVANTEM-SE, IDIOTAS!

Derrick e os funcionários erguem-se, o ladrão fita-o com fúria.

Ladrão: O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO PORRA?

Derrick: Desculpe-me, quando você falou 'idiota' tive um ato reflexo...

Ladrão: E você é idiota por acaso?

Derrick: Muita gente me chama assim. 

O ladrão ergue a arma e dá um tiro em Derrick. A bala acerta-o no ombro. O rapaz cai e Lilian o segura. 

Derrick: Droga, eu não queria morrer virgem. 

Todos o fitam com olhares mistos de desespero e surpresa. 

Derrick: Não que eu seja, é claro.

Ladrão: Agora vou te finalizar, idiota, e estou pensando em levar sua namoradinha junto!

Henry: Ela não é namorada dele. 

Zeck: Você é louco? Tá respondendo a um bandido. 

Henry: Tô nem aí, ele quer levar a primeira da MINHA fila!

Ladrão: Como?

Henry: Eu estou planejando traçar esta ninfeta nos próximos dias.

Derrick olha entristecido para Lilian, ela ainda o segura.

Derrick: Isto é verdade?

Lilian: É claro que não, estou me guardando para o casamento!

Todos caem na gargalhada, menos o ladrão e Lilian.

Lilian: Qual é a graça?

Ladrão: Eu também não vejo! Estou tentando assaltar essa joça e não consigo porque tem um bocado de idiotas tagarelando. Agora, a primeira pessoa que soltar um pio morre. CAIXAS, por favor, coloquem o dinheiro nestes sacos...

O ladrão se aproxima para entregar o saco, mas escuta alguém falando. 

Derrick: Lilian, eu sempre quis tran...

Ladrão: EU FALEI PARA NINGUÉM FALAR!

Derrick: Mas assim você já está falando. 

O ladrão dá um segundo tiro em Derrick, este o acerta no outro ombro. 

Zeck: Meu Deus, ele atirou no cara de novo.

Henry: Isto deixa as coisas bem mais fáceis para mim.

O ladrão dá alguns tiros para o alto até descarregar o cartucho inteiro. Depois retira o cartucho usado, pega um novo e recarrega a arma. Silêncio. 

Ladrão: Obrigado. Agora, caixas, por favor...

Os caixas pegam os sacos, mas são interrompidos por um sujeito que entra no banco segurando uma submetralhadora. Som de sirene e carros se aproximando.

Ladrão: QUE PORRA VOCÊ ESTÁ FAZENDO?

Gangster: Estou fugindo da polícia. 

Ladrão: NÃO PODE FAZER ISSO ENQUANTO EU ESTIVER ASSALTANDO ESTE BANCO!

O gangster dispara contra o ladrão que cai ensangüentado e morto.

Gangster: Problema resolvido... Agora, vocês são meus reféns. 

Henry: Não vai dar, nós já somos reféns dele.

Gangster: Ele está morto.

Henry: Tem certeza? 

O gangster dispara contra o corpo inanimado. Sangue e tecido humano espirram pelo palco.

Gangster: Agora tenho.

Lilian: O que você quer?

Gangster: Nada de mais, só preciso de alguns reféns para escapar. 

Som de alto-falante na parte posterior do palco.

Auto-falante: VOCÊ ESTÁ CERCADO, SE ENTREGUE!

O gangster se aproxima da porta automática, que se abre. 

Gangster: Tenho reféns, se tentarem qualquer gracinha, acabo com eles!

Auto-falante: NÃO ESCUTAMOS, REPITA O QUE DISSE.

Gangster: Tenho umas pessoas que posso matar se o caldo engrossar!

Auto-falante: FALE MAIS ALTO.

Gangster: Eu tirei as amídalas, não dá para falar mais alto!

Henry: Nós dois poderíamos ir até lá negociar por você.

Lilian: Eu também. 

Gangster: Não, só vai um. 

Henry: Então vou eu.

Lilian: Não, eu vou. Aproveito e digo o quanto você é perigoso! É só levar o meu colega aqui que levou dois tiros. 

Derrick: Ela dirá que somos casados, os tiras sempre se sensibilizam com isto.

Henry: Calma aí! Já saquei qual é a tua! Você quer afanar a ninfeta!

Derrick: É isso mesmo! 

Lilian fica ruborizada.

Derrick: Mas eu falo a verdade, Lilian. Só depois de levar dois tiros tenho a coragem de lhe dizer o quanto gostaria de dormir com você. Ou pensava que eu queria passar o resto da minha juventude fazendo suas lições de casa gratuitamente?

Gangster: Gosto quando as pessoas são sinceras com as outras e consigo mesmas. Os dois podem ir. 

Henry: Eu não acredito nisso!

Gangster: Espero que os dois pombinhos façam uma bela encenação.

Lilian: Pode deixar.

Henry: É claro que pode, imagine a quantidade de orgasmos que ela já fingiu. 

Lilian: Vá se ferrar, seu verme. 

Gangster: Calma aí, não quero ter que atirar em mais ninguém. 

Derrick: Ele tem que aceitar, Sr. Gangster, que dessa vez EU faturei a garota.

Henry: Você não recebe fatura nem de cartão de crédito! 

Zeck: Calma, Henry, tem outras mulheres de Áries por aí!

Henry: O problema é este otário me passar para trás. Se eu fosse baleado, ela também estaria cuidando de mim. 

Gangster: Você quer ser baleado? Tem certeza disto?

Henry: Só um pouco. 

Lilian: Não seja idiota! Não vou sentir pena de você porque tomou alguns tiros. 

Gangster: É claro que não vai, não é assim que as coisas funcionam. 

Derrick: Você não sabe a quantidade de provas que tive de gabaritar por ela!

Gangster: Você está acostumado a receber tudo de mãos beijadas!

Henry: É claro que sim, sou um canalha de cara lisa!

Derrick: Mas estamos numa situação fantástica, os paradigmas da vida cotidiana não são válidos aqui! É por isso que me dei bem.

Henry: Não posso aceitar isto! Você é o cara que todo mundo sacaneia! Sabe como te chamam pelas costas? Arroz! Você só serve para acompanhar!

Derrick: Eu adoraria continuar aqui discutindo com você, mas estou perdendo muito sangue. Seu Gangster, preciso chegar ao hospital antes de morrer. 

Gangster: Vocês dois estão livres para serem felizes.

Lilian: É muita generosidade da sua parte. 

Lilian auxilia Derrick a andar. Atravessam o palco até saírem de cena. 

Henry: Seu idiota, você deixou os dois fugirem!

Gangster: Se eu deixei, de livre e espontânea vontade, significa que eles não fugiram. 

Zeck: Parece mais uma daquelas questões de semântica.

Henry: Tô me fodendo para a semântica!

Gangster: Olha a boca suja!

Henry: Vá se foder!

Gangster: Você está esquecendo quem é que está armado aqui. 

Zeck: Pelo amor de Deus, cale a boca, Henry!

Gangster: Se as pessoas fossem mais educadas, não precisariam levar bala. Este imbecil ensangüentado aí, por exemplo - aponta para o corpo do bandido - ainda estaria vivo e roubando!

Henry: E se você não tivesse entrado aqui...

Zeck: Cale a boca, Henry, por favor, cale essa maldita boca!

Henry: Eu estaria...

Gangster: Deixe que eu fale, eu sei qual é o problema: ele é mal amado!

Henry: Mal amado? Quem é você para dizer isto?

Gangster: Conheço o seu tipo, sei que a mulher a quem você dedicou toda a sua existência lhe deixou para ficar com outro. É por isso que você se vinga usando todas que encontra pela frente, não é? Pensa que está dando o troco, mas isto não é certo, cara. 

Henry: Que papo furado é este? Isto nunca aconteceu comigo!

Zeck: Eu acho que aconteceu sim.

Henry: Que amigo da porra é você, Zeck?

Zeck: Não é nada, Henry, mas já queria falar sobre isso há algum tempo. Você não é o mesmo desde que a Penélope lhe deixou! Bebe demais, dorme de menos e inventa coisas estranhas... Essa história de detonar o zodíaco...

Gangster: Agora sim estamos vendo suas verdadeiras cores, rapaz. 

Henry: Vão se danar, vocês dois!

Gangster: Pelo que vejo você realmente amava esta mulher. Cara, você precisa respirar fundo e virar a página... Curtir a vida! 

Henry: Eu estou curtindo, porra, estou pegando uma vadia atrás da outra!

Zeck: Isso não é saudável, Henry. 

Henry: Saudável? Você é médico, por acaso? 

Gangster: Ele só está usando de bom senso. 

Henry: Bom senso? Então não se meta comigo, seu viado duma figa!

Henry avança na direção do Gangster e acerta-o com um soco. A arma cai, o Gangster revida. O confronto prolonga-se e as pessoas aproveitam para fugir uma após a outra. Zeck fica pensativo, mas, por fim, resolve fugir também. Depois de alguns socos e chutes, o Gangster cai no chão próximo à arma. 

Henry: O problema de vocês, românticos, é que só sabem falar!

Gangster: Ah, é? E você sabe qual é o seu problema? 

Henry: Qual?

Gangster: É não ter uma arma!

O Gangster empunha a arma e fuzila Henry. Levanta-se e olha ao redor. 

Gangster: Que droga, todos fugiram!

Fecham-se as cortinas e reabrem com outro cenário: o exterior. Vêem-se alguns carros de polícia, tiras e alguns dos figurantes que acabaram de sair. Passa-se algum tempo até que o Gangster saia do banco. 

Guarda com auto-falante: LARGUE A ARMA, VOCÊ NÃO TEM MAIS AO QUE RECORRER!

Gangster: Ainda tenho um refém!

Guarda com auto-falante: NÃO VEJO NENHUM!

O Gangster aponta a arma para a cabeça. 

Gangster: Se não atenderem minhas exigências, vou atirar.

Alguém se aproxima do guarda.

RP: Muita calma nesta hora, estimular o suicídio de outrem é crime.

Guarda (sem usar o auto-falante): Quer dizer que o refém desse cara é ele mesmo?

RP: É como se fosse.

Guarda com auto-falante: QUAIS SÃO AS SUAS EXIGÊNCIAS?

Gangster: Deixem um carro e debandem.

Guarda com auto-falante: NEGÓCIO FECHADO.

Gangster: Assim tão fácil?

Guarda com auto-falante: ESTAMOS DE BOM HUMOR. 

Gangster: Há, há, então tirei a sorte grande. 

O gangster tira a arma da cabeça e sorri. 

Guarda com auto-falante: ERRADO! HOMENS, ATIRAR!

A rajada de tiros dura de cinco a seis segundos. O Gangster, morto, cai num baque surdo que ecoa uma, duas, três vezes: é um mártir que se vai. As cortinas vão se fechando enquanto o hino dos Estados Unidos é tocado.

FIM

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