A Cidade dos Segredos

Título: A Cidade dos Segredos

Autor: Sasha Gould

Editora: Novo Conceito

Páginas: 256

ISBN: 9788581633121

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"Aqui, nenhuma de nós é conhecida por seu nome verdadeiro. Você mal chega e é rebatizada: La Grossa, La Cadavara, La Lunatica, La Trista, La Puera, La Pungenta - Gorda, Cadavérica, Lunática, Tristonha, Medrosa e Fedida. Dentro dos muros do convento, cedo ou tarde, os adjetivos depreciativos se transformam em nomes próprios. Elas me chamam de La Muta - A Muda. Não que eu não tenha muito a dizer; o fato é que, na maior parte do tempo, guardo as coisas comigo. As filhas aprendem isso desde cedo. As caçulas, mais cedo ainda." (p. 7) 

Laura fora enviada para o convento logo após a morte de sua mãe, aos dez anos, e naquela época não entendia por que ela, e não sua irmã mais velha, Beatrice, era arrastada para dentro dos portões do convento enquanto as irmãs pisavam em seus pés para impedi-la de dar pontapés. Seis anos no convento fizeram Laura compreender que naquele dia, quando seu pai nem ao menos se despediu ou demonstrou qualquer tipo de emoção, fez com que ele lavasse as mãos com relação a sua filha mais nova. A partir daquele momento ela não era mais sua responsabilidade e um dote com um bom marido seria muito bem mais gasto do que com dois maridos medianos. 

No entanto, sem maiores explicações, Laura é informada que deve voltar para casa. Feliz, está certa que irá voltar a ver sua querida irmã, com quem não se corresponde mais, certamente pelo fato da abadessa eliminar a maioria de suas cartas em nome da censura. Mas sua felicidade não irá durar muito tempo...

Chegando em casa percebe que o palácio de sua infância, outrora tão reluzente, parece desprovido de vida. Há manchas de umidade sob as janelas, o gesso minguou e descascou das paredes e nas paredes onde havia quadros pendurados, agora há espaços vazios. Assim como a casa deteriorou, seu pai definhou. Algo de sombrio existe no rosto daquele homem que veste roupas de um tamanho maior que o seu e se assemelham a cobertores puídos. 

O vazio na casa e na expressão de seu pai não poderiam ser piores do que o objeto comprido e escuro colocado sobre a mesa no hall de entrada: um caixão. Dentro dele, o corpo de sua tão amada irmã. 

Laura descobre por meio de Faustina, sua ama, que Beatrice morrera afogada, o que deixa a garota levemente desconfiada, afinal sua irmã era uma excelente nadadora. 

Apesar da tristeza que assolava Laura, seu pai tinha planos para a filha, o que não envolvia prantear pela irmã morta. Laura havia voltado por uma razão, iria se casar com Vincenzo, o noivo de Beatrice. De acordo com o seu pai, agora ela tinha responsabilidades e o dever de zelar pela dignidade da família. 

"Um velho caminha em nossa direção - mais idoso que meu pai, curvado e magro. Também me levanto, mais devagar. O homem sorri. Tufos de pelos lhe saem das orelhas na forma de fios brancos. Marcas marrons, próprias da idade, se espalham por suas mãos e rosto como manchas de ferrugem molhada. À exceção de seus olhos estreitos, que piscam e lacrimejam, o resto de seu corpo parece estar numa espécie de paralisia. Quando, por fim, ele começa a falar, o cuspe se acumula nos cantos de sua boca. 

- Boa noite, Laura - diz ele. - Sou eu, Vincenzo." (p. 58)

Laura quer fugir e aceitaria de bom grado em se transformar numa Noiva de Cristo, passando o resto da vida polindo, ajoelhada, as mesas de comunhão no altar. Não bastasse seu noivo ser um homem asqueroso e grosseiro, cada vez mais Laura tem certeza de que a morte de sua irmã não foi acidental. Será que existiria uma saída?

A vida no convento não preparara Laura para o convívio com a sociedade burguesa de Veneza, haviam códigos e regras a serem obedecidos e segredos que pululam, alguns bastante perigosos. Laura pode ser bem inocente por ter vivido muito tempo longe do turbilhão de rostos escondidos por detrás de leques, vestidos de seda, joias, bailes, caçadas, desavenças, escândalos e fofocas, mas ela possui um segredo, um segredo muito poderoso. 

E é esse segredo que irá ajudar Laura a entrar na Segreta, uma organização formada apenas por mulheres e que deve permanecer nas sombras. Recrutada por Allegreza, Laura se vê no meio de mulheres com máscaras que querem ajudá-la, em troca, é claro, de alguma coisa e esse algo é um segredo, um segredo importante. Agora, dentro da Segreta, Laura terá a ajuda que precisa para se livrar de Vincenzo e, quem sabe, descobrir o que aconteceu com sua irmã. 

Enquanto isso, Laura sente-se encantada por um belo pintor, mas com o decorrer dos eventos não sabe mais em quem confiar. Além de Allegreza, ela não faz ideia de quem são as outras mulheres da Segreta ou o tipo de coisas que podem fazer, desde intrigas a crimes, mas ao aceitar a ajuda da organização ela se ligou aquelas mulheres e as consequências que virão deste laço. 

"Lembro o que aprendi no convento. A dívida nunca é paga." (p. 120)

A Cidade dos Segredos, de Sasha Gould, é o primeiro livro da série Cross My Heart e me animou da primeira até a última página. A leitura fluiu super bem com essa narrativa tão ágil e rica em detalhes. Sasha Gould consegue transportar o leitor à uma Veneza de 1585, repleta de cores, sabores, aromas e paisagens. A trama, bem elaborada e cheia de mistério, segue um ritmo envolvente e que se intensifica com o decorrer da leitura. 

Sasha mostra bem como as mulheres eram vistas naquela época: uma espécie de propriedade do pai que, assim que se casa, passa ao marido, como um bem de consumo. Um ser sem qualquer tipo de autonomia. 

Laura é uma protagonista atraente e apesar de ter vivido seis anos em um convento, tem um lado bem selvagem, é inteligente e intensa, no entanto terá que aprender que em Veneza todos fazem parte de algum plano ou trama, mas irá aprender rapidamente que um segredo pode ser mais fatal que a lâmina de uma espada.