A Menina Que Fazia Nevar

Título: A Menina Que Fazia Nevar

Autor: Grace McCleen

Editora: Pararela

Páginas: 312

ISBN: 9788565530217

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Judith McPherson é uma menina de dez anos que vive uma vida reclusa com o seu pai e os dois possuem uma rotina bem simples, como ler a Bíblia todos os dias e ponderar sobre o que acabaram de ler. As únicas pessoas com as quais tem contato são os fiéis da igreja cristã a qual pertencem. Na congregação não existem crianças, apenas Judith e pessoas de bastante idade. Judith também não tem amigos na escola e sempre é alvo de gozações, até que um dia Neil Lewis ameaça a garota, dizendo que na segunda-feira, após o final de semana, irá enfiar sua cabeça na privada. 

O final de semana é extremamente angustiante, com Judith pensando por quanto tempo alguém pode sobreviver debaixo d'água. Ela treina, prendendo sua respiração e não conta nada para seu pai, ele não iria acreditar nela. 

"Não tenho expectativa de viver muito nesse mundo. Não é por ter alguma doença ou porque alguém vai me matar (apesar de que Neil Lewis talvez me mate). É porque muito em breve Deus trará o Armagedom." (p. 23)

O fim está próximo, seu pai sabe disso e todos da congregação também. Mas Judith não tem medo. Após o Armagedom, na Terra Gloriosa, não haverá nenhum incrédulo, nenhuma guerra, nenhum sofrimento. E nem fábricas, local onde seu pai trabalha. Lá existirão campos e aqueles que morreram irão voltar à vida, e os que estiverem vivos jamais morrerão, pois na Terra Gloriosa não haverá nenhuma enfermidade e Deus irá enxugar todas as lágrimas dos olhos das pessoas. Judith e os outros sabem disso porque Deus prometeu a eles. E, o mais importante, no novo mundo Judith poderá ver sua mãe. 

Enquanto espera estar na "mais gloriosa de todas as terras", Judith cria em seu quarto a sua própria Terra Gloriosa, uma maquete feita de coisas que ninguém quis mais e das coisas que eram da sua mãe. A garota passou boa parte de seu tempo criando esse mundo, com montanhas, penhascos, cavernas e rios. Existem vales, campos e uma cidade, e logo depois da cidade, fazendas, uma praia, uma floresta de pinheiros e o mar, com barcos e criaturas marítimas. A Terra Gloriosa em seu quarto é um verdadeiro mundo à parte, onde Judith pode ser feliz graças à sua imaginação. 

"Tudo é possível, em todos os tempos e em todos os lugares e para todos os tipos de gente. Se você acha que não, é só porque não consegue ver como está perto, como só precisa fazer uma coisinha que tudo vai começar a acontecer para você. Milagres não têm que ser coisas grandes e podem acontecer nos lugares mais improváveis; os milagres dão mais certo com as coisas simples." (p. 33)

A fala do Irmão Michaels, convidado da congregação, tocou profundamente Judith. A garotinha sentiu que passara a vida inteira dormindo e com o discurso finalmente despertara. 

"Eu sei como é a fé. O mundo no meu quarto é feito dela. Com fé bordei as nuvens. Com fé recortei a lua e as estrelas. Com fé colei tudo junto e fiz todas essas coisas cantarolando. Porque a fé é igual a imaginação. Ela vê uma coisa onde não há nada, dá um salto e de repente você está voando." (p. 37)

Segunda-feira se aproximava e Judith queria que a escola ou Neil Lewis desaparecessem em um passe de mágica. Judith pensou que se fosse Deus, mandaria um furacão ou uma praga varrer a cidade e a escola, mandaria até mesmo o Armagedom, ou um asteroide para fazer um buraco bem onde ficava a sua escola. Lembrou-se, então, de um dia que nevara muito e a escola fora fechada. Bem que podia nevar, e como o Irmão Michaels havia dito, era preciso apenas um pouco de fé para que outras coisas acontecessem. E Judith tinha um pouco de fé e talvez esse pouco fosse o suficiente. 

Com toda a sua força, pensou na neve, na sua textura, no cheiro, em como tudo ficava embaixo de um cobertor de neve, como uma cidade adormecida. Teve a ideia de cobrir a Terra Gloriosa com algodão, espuma de barbear e tudo o que estava ao seu alcance para transformar seu mundo em um inverno rigoroso. 

Foi assim que Judith fez seu primeiro milagre. 

"Era manhã quando acordei. O ar estava quieto e denso. Pesava sobre mim como um cobertor, e o cobertor estava frio. Saí da cama. Puxei as cortinas. O mundo estava inteiro branco." (p. 45)

As ruas foram fechadas e Judith conseguiu se livrar de Neil Lewis. Com o passar dos dias contou ao seu pai que conseguira fazer nevar duas vezes e trazer Oscar, o gato da senhora Pew que havia fugido, reaparecer. Seu pai não poderia ter ficado mais irritado e Judith decidiu não contar mais nada depois daquela discussão. Ela sabia porque seu pai não acreditara nela e ficara tão nervoso: ele não a amava. Sempre que podia ele evitava olhar para a filha ou tocá-la, os dois nunca trocavam abraços ou davam beijo de boa-noite. Ele também sempre fora muito quieto e nunca respondia às suas perguntas, além de estar sempre bravo com Judith e, o pior, ele é triste por causa dela, talvez a principal razão para não a amar. 

Mas Judith não poderia fugir da escola para sempre. E Neil Lewis não iria parar de persegui-la também. 

"O negócio é o seguinte: tento fazer mais milagres agora ou não? Ter poder não é tão fácil quanto parece. Você disse que tudo o que precisávamos fazer era dar o primeiro passo, mas agora parece que não posso mais voltar para o início." (p. 165)

A Menina Que Fazia Nevar, de Grace McCleen, foi uma surpresa extremamente maravilhosa, pois não esperava uma leitura tão incrível e uma história tão emocionante e forte. O livro é cheio de surpresas e durante toda a leitura o leitor fica tenso e ansioso com o desenrolar dos fatos e extremamente envolvido pela história terna, repleta de sensibilidade em sua narrativa em primeira pessoa. 

A Menina Que Fazia Nevar é grandioso em toda sua simplicidade e Judith é uma personagem única, inocente e que vê o mundo com os olhos da fé, na maioria das vezes sem questionar, e que guarda grandes surpresas para o leitor. Todos os personagens são bem elaborados e trazem consigo uma carga emocional muito grande, tornando a história ainda mais rica. 

Primeiro romance de Grace McCleen, é um livro que deve ser lido, especialmente para aqueles que gostaram de Passarinha (resenha aqui).